Diários

Essa página é dedicada à participação dos integrantes do curso, seja para a construção de narrativas da própria experiência, seja pelas ressonâncias que os encontros venham a produzir.

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                                                                                  Rio, 06 de dezembro de 2013

Queridxs,

            Chegamos ao fim do semestre, e é hora de olhar para o caminho percorrido e para as possibilidades futuras. É difícil traçar o trajeto percorrido pelos envolvidos nessa jornada, em parte porque, como a maioria do grupo, me inseri nesta aventura muito após a concepção do curso, e em parte também porque este caminho não foi linear, e sim um emaranhado de idas e vindas (e não haveria de ser de outra forma, já que desde o início estabelecemos que o importante fosse o caminho em si, e não a meta).

            Gostaria, em primeiro lugar, de expressar minha admiração e gratidão pelo grupo de alunos e professores que, não só deram o ponta pé inicial para a concepção deste curso, mas também trabalharam arduamente, contra todos os contratempos, para que esta ideia se tornasse realidade.

            Como já disse em sala, gostaria de refletir também sobre o quão importante foi o que fizemos ao longo do semestre, legitimando a importância e necessidade do uso do espaço universitário para falar sobre a autogestão e para quebrar certos moldes didáticos. Trazer a discussão política para dentro das salas do Instituto de Psicologia, quebrar a divisão entre os departamentos, implodir a hierarquia professor/estudante, e instigar a troca entre a prática e vivência e a teoria foram todas conquistas que devem ser reconhecidas pelos que fizeram parte dessa jornada.

            Quanto ao nosso tema, como foi já foi colocado em nossa última reunião, parece que estamos cada vez mais longe de uma resposta. No entanto, a razão disso pode ser exatamente o que vimos ao longo do semestre: Não existe uma concepção única de autogestão. Até porque, a concepção de autogestão não pode ser desvinculada da sua prática (ambas se co-constituem), e a teoria-prática é diversa porque os contextos e objetivos são diversos. Ao longo do semestre, diversas vezes nos perguntamos se isso ou aquilo era uma autogestão. Agora, parece mais claro que essa linha divisória é muito mais difusa do que eu imaginava, e que a autogestão não é um modelo político em si, mas sim um método utilizado de diversas formas, por diversos grupos, e que constitui a ideologia política daquele grupo.

            É claro que nem tudo é autogestão somente porque é horizontal, e nem toda autogestão é estritamente horizontal o tempo todo. Mas como pudemos ver, a autogestão é geralmente utilizada por um grupo social com o propósito de empoderamento coletivo, através da implicação e participação de todos sobre as decisões que afetam o grupo. Ela demanda trabalho e impõe contratempos (como pudemos experimentar), mas também cria um laço maior entre as partes do grupo e faz com que todos se sintam parte efetiva o que se constrói.

            A ideia de cursar uma disciplina sobre autogestão que fosse autogestionada nos permitiu vivenciar com maior intensidade o objeto sobre o qual nos debruçamos, olhando-o de fora e ao mesmo tempo de dentro.

            A oportunidade de ouvir os diferentes relatos e experiências, tanto dos convidados das aulas de prática e vivências quanto dos próprios membros do grupo foi inestimável. Pude refletir, ao longo do semestre, sobre ideias que tinha como certas, e que foram desconstruídas por conversas em sala e experiências fora de sala. Também pude re-afirmar concepções políticas que já trazia (tanto para mim como diante do grupo). Entendi que este é um assunto complexo, porque suscita concepções e vivências diversas, onde nem sempre há um meio-termo. Aprendi a valorizar essa diferença, entendendo que nem sempre essas opiniões irão encontrar um consenso, mas que essa diversidade é produtora. E que é de urgente importância que algumas opiniões políticas aprendam a respeitar suas diferenças, para que possam visar um projeto que é comum a elas, como é o caso dos movimentos sociais.

            Talvez o que mais tenha me impactado ao longo destes seis meses tenha sido a visita de Lurdinha. Essa conversa nos impôs a questão da diferença entre chegar a ideias políticas pela observação e reflexão da realidade social, e chegar a estas ideias porque a realidade social se impõe de forma brutal em sua vida e, sendo você o elo mais frágil dessa realidade, a luta contra uma ideologia política dominante e injusta se torna a única saída possível. A visita de Lurdinha também propôs questões sobre a diferença em acreditar em algo, e vivê-lo 24 horas por dia.

            Bom, após toda essa livre associação de ideias sobre o que foi compartilhar essa experiência com vocês ao longo dos últimos seis meses, é hora de olhar para frente, e as possibilidades são infinitas. Por isso, nosso próximo e último encontro será um espaço propício para destrinchar e planejar essas possibilidades.

Com carinho,

Paula Pimentel Tumolo

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Diário de ressonâncias – Natasha
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Diário de ressonância: Práticas autogestionárias
Luisa Sader Guimarães Dias 10/12/2013

“Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.”
Antonio Machado

A ideia de uma disciplina autogestionada sobre autogestão me caiu quase como uma salvação. Já há dois anos participando e vivendo todas as contradições e complicações de um espaço autogestionado, pensei ter achado a solução para os problemas e as angústias que me afligiam. Eu finalmente iria aprender o que é autogestão, finalmente ia deter o conhecimento sobre essa forma de organização tão presente e ao mesmo tempo tão estranha a minha vida. A partir disso, todas as questões se diluíriam quase que de imediato. O C.A funcionaria perfeitamente e eu aplicaria a autogestão em outros espaços da minha vida. A revolução estava iminente.

Então, vieram as primeiras reuniões e as dificuldades de se montar uma disciplina, uma ementa, uma bibliografia. Neste momento, os problemas de praticar a autogestão imersa em uma lógica hierárquica, burocratizada, cristalizada da universidade começaram a aparecer, e uma estranha sensação de intimidade me foi surgindo. Dificuldades em marcar as reuniões, em tomar decisões, em se comunicar; discussões muitas vezes prolixas; a urgência na realização de certas tarefas que estrangulavam os encontros; o desespero em relação ao número de pessoas. No meio de tantas incertezas de um curso que se formaria em seu curso e o pragmatismo galopante da vida contemporânea, finalmente, começamos a disciplina.

Mais uma vez fomos massacrados pelo tempo. A proposta da disciplina foi apresentada, os grupos tiveram um momento para pensar em mudanças e outras propostas, mas não conseguimos compilá-las e dar um direcionamento. Ficou decidido que os grupos mandariam suas propostas pro blog e na semana que vem decidiríamos. No curto (ou longo?) espaço de uma semana, muitas propostas se perderam e poucas mudanças foram efetuadas.

Uma grande aposta da disciplina foram os textos. Embebidos também pelo espírito acadêmico –sem diminuir sua importância-, as aulas eram centradas nos textos e as possíveis discussões que emergeriam destes. Acreditei na possível tentativa de captura de um conceito definido de autogestão, o que me trouxe logo frustração. Os textos não davam conta do que eu vivia e pareciam muito distantes de uma prática concreta. É claro que conseguimos traçar alguns nortes desse modo de organização. Há uma impossibilidade inerente de uma prática autogestionária que esteja a serviço de ideiais fascistas e capitalistas; autogestão pressupõe autonomia, diluição das relações de poder, autodeterminação por parte do coletivo. Mas, e aí? Há um hiato abissal entre esses conceitos e o delineamento de uma vivência autogestionada. Minha frustração e consequente falta de interesse no espaço da aula partiu de uma expectativa quase irreal que nutria dentro de mim, como se certas conceituações fossem, de fato, me trazer respostas e, além, fossem me trazer formas e modelos de exercer a autogestão.

Se os textos não atenderam às expectativas o oposto se deu com as narrativas e as assembléias. Foram muitas histórias narradas, vidas e afetos sendo expostos naquele espaço, e todos muito distintos e singulares. As formas de organização, de metodologia, de objetivo eram variadas e surpreendentes. Algumas até suscitavam a dúvida: isso é autogestão?

Por que não?

As assembléias foram também espaços muito potentes. As insatisfações colocadas -seja da metodologia do dedinhos, seja do curso, dos textos- transformavam aquele aula em um eterno devir. Quantos deslocamentos não promovemos naquele espaço? A própria aula de expressão artística, que fugia totalmente ao roteiro da disciplina e da maioria dos participantes, emergiu da assembléia.

Sem dúvida, as práticas autogestionárias promoveram rupturas com formas tão antigas e engessadas do que entendemos enquanto aula e conhecimento. Polos binários professor/aluno, teoria/prática se diluíram e se misturaram naquela dança junto com as minhas frustrações.
Ao meu ver, não é possível promover um corte e designá-lo como sucedido ou fracassado. Não passa por aí. A disciplina foi em si e para além de si autogestionada com todas as intermitências e paradoxos que essa noção me remete. De fato, não sei dizer se sairei conhecendo o que é a autogestão, mas, definitivamente, a terei vivido neste (per)curso.

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Diário de ressonâncias:

Hai Kai na real

A solução não está dada
É preciso vasculhar juntos
Mesmo sem ver nada.

Felipe tupinambá

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Diário de Ressonância:Práticas Autogestionárias na Prática

Em primeiro lugar gostaria de colocar a minha satisfação em fazer parte desse grupo que não só me propiciou ótimos momentos de discussão e reflexão, mas também me permitiu fazer parte do processo, me deslocando de um lugar já tão dado. Nesse quase cinco anos no Instituto de Psicologia muitas vezes me vi enquanto aluna, na posição de receber o conhecimento vindo das figuras detentoras desse saber já pronto, já instituído e em um sistema já formatado. Como uma expectadora na janela de um trem, observadora das paisagens que vão passando e vez ou outra parando em alguma estação que chamava minha atenção.

Bom, nessa nova experiência vi um grupo de alunos que saíram desse lugar de expectadores e resolveram construir um novo caminho, imagino que tratando se de autogestão não poderia ser diferente. Quero elogiar não só os que idealizaram essa iniciativa, os que deram força pra a realização e também àqueles que aderiram ao curso trazendo ideias, pensamentos e ajudando nesse processo de construção/reconstrução, que a meu ver ainda continua (e que bom que continua).

Um dos motivos pelos quais me inscrevi nessa matéria foi o interesse por esse tema que anda tão falado, que surgiu a partir de uma definição de Autogestão e os meus questionamentos.

“Entendemos por autogestión el movimiento social, econômico y político que tiene como método y objetivo que la empresa, la economia y la sociedad em general estan dirigidas por quienes producen y distribuien los bienes y servicios generados socialmente. La autogestion propugna la gestión directa y democrática de los trabajadores, en las funciones de planificacion, direccion y ejecución” (Iturruspe, 1988).

Como funcionaria esse processo, não só dos trabalhadores, mas de um grupo de pessoas no planejamento, direção e execução da gestão? Hoje vivemos em uma democracia representativa, através de uma votação elegemos representantes que tomam decisões em nome daqueles que os elegeram. Esse processo é tido com o incontestavelmente a melhor forma de governo porque provê a população uma forma justa e livre de escolha. O quão livre é essa escolha, uma vez que todas outras formas de governo são tidas como injustas, tirânicas e até ditatoriais. Não seria mais uma ditadura da maioria, aonde as minorias, quando conseguem se fazer visíveis, não tem espaço para expressar sua opiniões divergentes?

Algumas dúvidas que ficam foram exatamente sobre esse processo decisório, existem outras formas de participação que não são a submissão total a uma autoridade dominadora ou um processo democratizado? E como podemos fazer uma gestão participativa? Nesse ponto a participação dos convidados externos foi fundamental, entre outras coisas, para ter acesso de como os grupos estão fazendo a sua gestão. É um processo que dá trabalho, demanda um investimento, vontade de participar e um saber ouvir do grupo, afinal não é possível se chegar a um consenso sobre tudo, mas as decisões precisam ser tomadas e as ações executadas. Podemos ver que esse processo é algo que sempre se reinventa, não é dado, é preciso construir a melhor forma de coletivizar as decisões de uma forma eficiente.

Em relação a estrutura, ausência ou presença de uma hierarquia, segundo o conceito anarquista de autogestão, “se caracteriza por eliminar a hierarquia e os mecanismos capitalistas de organização envolvidos”, mas isso não significa necessariamente uma total horizontalidade nas relações ou seja a partilha de informação e a tomada de decisão ao alcance de todos os membros. Para pensar nessa questão acho importante lembrar o conceito de transversalidade de Guattari, quando existe comunicação entre diferentes níveis e diferentes sentidos, entre vertical e horizontal, muitas vezes esse as relações transversais são inconscientes.

Outro fator que ficou muito claro a partir do depoimento dos convidados, foi o da autoanálise do processo de autogestão, algo que pareceu ser natural e fundamental para os coletivos, uma inciativa que parte de dentro e propicia um entendimento e organização (possivelmente uma reorganização).

Como foi dito nas ultimas aulas, nas quais fizemos (e ainda estamos fazendo) o nosso processo de autoanálise, esse processo é sem fim uma vez que o fim é próprio caminho. Gostaria de destacar uma frase de Vieira (2007) que é fundamental e poderia até ser um lema, “Ninguém acorda ou acordará de um dia para o outro “autogestionário””. Bem como foi visto na teoria e na nossa própria prática, é um processo de reflexão, que deve ocorre em paralelo com a prática do desenvolvimento de uma gestão que seja ideal e singular para o nosso grupo. Deve ser visto como um processo futuro, uma utopia sim, mas uma utopia concreta se valendo dos processos já passados para a visualização do futuro.

Para finalizar esse relato gostaria de salientar algo que para mim é o que há de mais fundamental na autogestão (e na vida!), o desejo. O desejo que impulsiona e que faz com que esse movimento aconteça, desejo que impede a paralisação, desejo que constrói, destrói e reconstrói, o desejo que faz o real. Graças ao desejo esse curso foi iniciado e eu desejo que continue.

Jessica Prado de Almeida Martins

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Diário de ressonância – Marcela
Diário de ressonância – Marcela
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Fui a poucas aulas pois achei as primeiras bem chatas. Apenas uma questão em particular: neste período eu simplesmente não suportei mais o modelo aula. Todo meu afeto estava voltado para os dois estágios. Assim, buscava – quando em textos – os assuntos que diziam respeito a eles. De certa forma, meu motivo para não estar gostando, funcionava como desculpa para não incomodar. Era um motivo, de fato, específico. Mesmo assim, imaginava quão constrangedor seria denunciar o desconforto frente aos que pareciam aproveitar. Experiência entre o desconforto de falar ou a culpa de guardar. Todavia, como disse acima, a particularidade do meu motivo funcionava como desculpa para não denunciar meu des-afeto.

Ao me imaginar nos afetos que convergiam perante a proposta da disciplina eu achava perigoso vivenciar a experiência me sentindo inteiramente responsável por ela. Sou parte do grupo mas não sou o grupo. Quando presente vi um movimento de unificação muito forte. As atividades eram acordadas e feitas pelo grupo inteiro. Evidentemente o desconforto apareceu, mesmo tendo demorado. Como permitir que a disciplina não se tornasse um único caminho percorrido por todos, mas diferentes caminhos se encontrando e desencontrando ao longo do percurso?

Das ressonâncias por aqui, ecoam alguns impulsos. De uns tempos pra cá me sinto acorrentado pelo modo de movimento industrial. Isto é, ao iniciarmos alguma atividade fica pré-estabelecido um compromisso financeiro, um compromisso com o mestre, com os horários. Três vetores que, aliados, se fortalecem e acabam por oprimir a vontade que foge aos dogmas da razão. Essa vontade espontânea de aprender, apenas por se encantar com algo. A autogestão ressoa para mim dessa forma: detesto fazer trilha com guia. Eu quero é descobrir junto, esquivar dos caminhos preparados. Quero me agenciar com pessoas queridas, abrir a mata, descobrir lugares inusitados. Dispenso o mestre, dispenso o investimento financeiro-institucional (ou seja, pagar mensalmente por uma atividade), dispenso os horários enrigecidos. Estes últimos chego a considerar, apenas, quando em grupo.
Não posso deixar de ressaltar o pioneirismo da experiência. Penso que devemos ficar atentos aos níveis de exigência. Relaxemos um pouco e analisemos o que a vivência representa. Suas ressonâncias são territorializantes. Uma disciplina engendrada por alunos. Pensada por alunos e feita por eles. Essa parte me deixa muito contente. Abraços e boas férias a todos.

Por Ian H.

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Fabille leão – Diário de ressonância.

Buscando um elemento forte ou palavra que pudesse definir autogestão.
Fato é que num dado momento, ao olhar as ruas via algo similar. Talvez! Porém a prática é o que melhor poderia definir essa composição. Também ao me inserir nesta Comuna; digo: que política não define este movimento, nosso movimento quero dizer. Que fique claro politizar e não se implicar. É não carregar algo comum. Definir-me como homem. Busca o semelhante. Seja pela “tarifa zero”, seja pelo “fome zero” ou outros movimentos. Assim a semelhança dos objetivos, a necessidade comum traz um produto prático. Necessário ao conceito de autogestionária. Capaz de unir um coletivo social.

No que define a “As práticas autogestionárias” pude elucidar muito bem a sua robustez no conceito. Suas ramificações seus engajamentos, bem como, modos naturais de definições. Definições estas que buscam suprir o básico dos mais básicos elementos que sustentam um processo de autogestão. Que é sua atitude coletiva, sua colocação em todo lugar. Trabalha dimensões excludentes, aproximando vértices distantes.

A saber, que práticas de autogestão uma vez ministrada, com públicos distintos. Quebra barreiras, definindo muito bem que polos distintos hoje são o maior conceito de autogestão. Assim, todo incomodo convoca para uma reflexão, sadia. Trazendo momentos de permeabilidade da pessoa e absorção de matéria. Vida! Movimento produzido pela ação de fora. Como a todo o momento, no curso houve uma forte reflexão quanto à diversidade social. E suas nuâncias produzidas por vozes dissonantes. Tentando marcar um lugar ou definir sua identidade. Através do pronunciamento colocando sua escrita neste local.

Vejo que um processo, autogerido pode ser feito através de elementos sociais fortes. Com elementos produzidos pela coletividade. Sendo totalmente oposicionista ao acumulo exagerado de capital. Algo que se aproxima da cooperação das partes e ou reconhecimento da igualdade humana. Não quero aqui cria um conceito, mas identificar o que não é uma práticasautogestionária.

Agradeço a todos. Admiro o entusiasmo dos docentes e dedicação.
Fabille leão C.
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Diário de ressonâncias – Letícia Belmiro

Confesso que estou há bastante tempo pensando o que vou escrever aqui -e ainda não tenho muita certeza… Fui me distanciando da disciplina conforme o período foi passando, fato que eu não relaciono com nenhuma questão específica que tive com a própria disciplina, mas sim com os meus próprios interesses e investimentos pessoais nesse período.

Vale questionar o quanto que essa experiência de afastamento e esvaziamento permeia as práticas autogestionárias e se constitui talvez como o maior desafio destas. Sejam por quaisquer motivos individuais que cada um tenha, no final das contas, em um espaço autogestionado, quem leva realmente os projetos até o fim e fazem as coisas acontecerem são aqueles que mais estão engajados e investidos nesses projetos. Minha experiência no CAFS me diz isso e durante a disciplina creio que esse aspecto ficou bem claro também.

Seria leviano tomar o que acabei de dizer como uma crítica por si só a mim e a todos que esvaziam e já esvaziaram outros espaços também. Antes de mais nada, creio que esse maior desafio também se mostra como uma das belezas da autogestão: a liberdade de cada um de se envolver o quanto pode, o quanto quer e o quanto quer. Para cada um de acordo com suas necessidades e de cada um de acordo com suas possibilidades.

No final das contas, mesmo que ausente por mim, acredito que a disciplina atingiu seu objetivo e que foi uma grande conquista! Boas férias para nós!
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Diário de ressonâncias – Júlia Robaina

Por conhecer algumas pessoas que participaram do processo de construção da disciplina, eu soube desse projeto e pude entrar como inscrição direta. Interessei-me pela disciplina por ela ser sobre autogestão e pretender funcionar de forma autogestionada, e também pelos temas que seriam abordados ao longo do curso.

Não considero que me dediquei como poderia e gostaria a essa disciplina. Acabei colocando compromissos pessoais como prioridade. Isso aconteceu não só com a matéria de Autogestão.

Considero a ideia desse curso como uma iniciativa única no Instituto de Psicologia, visto que as outras disciplinas funcionam de acordo com um modelo habitual e vertical, em que o aluno não participa do processo, do caminho. Para mim, houve falhas, o que está longe de dizer que foi um fracasso. Ao contrário, as falhas apontaram para novos caminhos e reflexões.

Em algumas aulas que estive presente presenciei discussões que me faziam sentir desmotivada e fatigada, pois as falas me pareciam repetidas, pronunciadas sem reflexão. Aí entra uma falha minha, porque eu não estava implicada o suficiente para expressar o que sentia e pensava, o que talvez pudesse colaborar para o surgimento de outras formas de discussão ou qualquer outra alternativa que surgisse em conjunto com os demais alunos.

Acho que muitas pessoas pretenderam fazer um curso que criasse uma forma outra de existir, de funcionar. Mas penso que algumas não conseguiram, talvez quando se prenderam a um formato pensado antes do primeiro dia de aula.

Apesar de ter causado um desconforto em alguns no momento de sua fala provocadora, notei que o curso ficou mais leve quando um aluno levantou a questão da importância da arte, além de ter feito outras críticas. Talvez isso tenha causado alguma tensão, mas uma tensão que permitiu uma reflexão mais honesta sobre o curso que se queria construir.

Gostei muito de algumas aulas práticas que tivemos, como a visita da Lurdinha, da Ocupação Manoel Congo. Nessa aula ela contou como a ocupação funcionava, suas lutas, algumas situações por quais passaram. E ela repetiu uma frase que ficou em minha cabeça: “eu quero botar fogo no Estado”. Não preciso dizer que achei a Lurdinha uma pessoa muito sábia, ainda mais em tempos de manifestação e repressão policial. Também gostei da visita do Pedro, da Universidade Nômade. Interessei-me pelas lutas desse coletivo, mas também da forma como ele abordou outros assuntos, como o marxismo. Os filmes escolhidos também foram ótimos.

Portanto, considero que ter passado por essa experiência foi proveitosa.

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Diário de ressonâncias – William Penna

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30 pensamentos sobre “Diários

  1. Pessoal, dia 21 de novembro é assembléia ou invertemos para fechar um bloco com P&N? Consegui confirmação do colega de Terra Una para esse dia e ainda vou ligar para as meninas da Oficina do Pão para confirmar se elas podem esse dia também.

  2. Gente, nao consegui criar um post nesta aba dos diários.
    Entao, aconselhada pelo Legey, to postando como comentário para alguem, por gentileza, transferir pra post.
    Obrigada!

    “Diário de ressonância: Práticas autogestionárias
    Luisa Sader Guimarães Dias 10/12/2013

    “Caminante, no hay camino,
    se hace camino al andar.”
    Antonio Machado

    A ideia de uma disciplina autogestionada sobre autogestão me caiu quase como uma salvação. Já há dois anos participando e vivendo todas as contradições e complicações de um espaço autogestionado, pensei ter achado a solução para os problemas e as angústias que me afligiam. Eu finalmente iria aprender o que é autogestão, finalmente ia deter o conhecimento sobre essa forma de organização tão presente e ao mesmo tempo tão estranha a minha vida. A partir disso, todas as questões se diluíriam quase que de imediato. O C.A funcionaria perfeitamente e eu aplicaria a autogestão em outros espaços da minha vida. A revolução estava iminente.
    Então, vieram as primeiras reuniões e as dificuldades de se montar uma disciplina, uma ementa, uma bibliografia. Neste momento, os problemas de praticar a autogestão imersa em uma lógica hierárquica, burocratizada, cristalizada da universidade começaram a aparecer, e uma estranha sensação de intimidade me foi surgindo. Dificuldades em marcar as reuniões, em tomar decisões, em se comunicar; discussões muitas vezes prolixas; a urgência na realização de certas tarefas que estrangulavam os encontros; o desespero em relação ao número de pessoas. No meio de tantas incertezas de um curso que se formaria em seu curso e o pragmatismo galopante da vida contemporânea, finalmente, começamos a disciplina.
    Mais uma vez fomos massacrados pelo tempo. A proposta da disciplina foi apresentada, os grupos tiveram um momento para pensar em mudanças e outras propostas, mas não conseguimos compilá-las e dar um direcionamento. Ficou decidido que os grupos mandariam suas propostas pro blog e na semana que vem decidiríamos. No curto (ou longo?) espaço de uma semana, muitas propostas se perderam e poucas mudanças foram efetuadas.
    Uma grande aposta da disciplina foram os textos. Embebidos também pelo espírito acadêmico –sem diminuir sua importância-, as aulas eram centradas nos textos e as possíveis discussões que emergeriam destes. Acreditei na possível tentativa de captura de um conceito definido de autogestão, o que me trouxe logo frustração. Os textos não davam conta do que eu vivia e pareciam muito distantes de uma prática concreta. É claro que conseguimos traçar alguns nortes desse modo de organização. Há uma impossibilidade inerente de uma prática autogestionária que esteja a serviço de ideiais fascistas e capitalistas; autogestão pressupõe autonomia, diluição das relações de poder, autodeterminação por parte do coletivo. Mas, e aí? Há um hiato abissal entre esses conceitos e o delineamento de uma vivência autogestionada. Minha frustração e consequente falta de interesse no espaço da aula partiu de uma expectativa quase irreal que nutria dentro de mim, como se certas conceituações fossem, de fato, me trazer respostas e, além, fossem me trazer formas e modelos de exercer a autogestão.
    Se os textos não atenderam às expectativas o oposto se deu com as narrativas e as assembléias. Foram muitas histórias narradas, vidas e afetos sendo expostos naquele espaço, e todos muito distintos e singulares. As formas de organização, de metodologia, de objetivo eram variadas e surpreendentes. Algumas até suscitavam a dúvida: isso é autogestão?
    Por que não?
    As assembléias foram também espaços muito potentes. As insatisfações colocadas -seja da metodologia do dedinhos, seja do curso, dos textos- transformavam aquele aula em um eterno devir. Quantos deslocamentos não promovemos naquele espaço? A própria aula de expressão artística, que fugia totalmente ao roteiro da disciplina e da maioria dos participantes, emergiu da assembléia.
    Sem dúvida, as práticas autogestionárias promoveram rupturas com formas tão antigas e engessadas do que entendemos enquanto aula e conhecimento. Polos binários professor/aluno, teoria/prática se diluíram e se misturaram naquela dança junto com as minhas frustrações.
    Ao meu ver, não é possível promover um corte e designá-lo como sucedido ou fracassado. Não passa por aí. A disciplina foi em si e para além de si autogestionada com todas as intermitências e paradoxos que essa noção me remete. De fato, não sei dizer se sairei conhecendo o que é a autogestão, mas, definitivamente, a terei vivido neste (per)curso. “

  3. Diário de ressonâncias:

    Hai Kai na real

    A solução não está dada
    É preciso vasculhar juntos
    Mesmo sem ver nada.

    Felipe tupinambá

  4. Diário de Ressonância:Práticas Autogestionárias na Prática

    Em primeiro lugar gostaria de colocar a minha satisfação em fazer parte desse grupo que não só me propiciou ótimos momentos de discussão e reflexão, mas também me permitiu fazer parte do processo, me deslocando de um lugar já tão dado. Nesse quase cinco anos no Instituto de Psicologia muitas vezes me vi enquanto aluna, na posição de receber o conhecimento vindo das figuras detentoras desse saber já pronto, já instituído e em um sistema já formatado. Como uma expectadora na janela de um trem, observadora das paisagens que vão passando e vez ou outra parando em alguma estação que chamava minha atenção.
    Bom, nessa nova experiência vi um grupo de alunos que saíram desse lugar de expectadores e resolveram construir um novo caminho, imagino que tratando se de autogestão não poderia ser diferente. Quero elogiar não só os que idealizaram essa iniciativa, os que deram força pra a realização e também àqueles que aderiram ao curso trazendo ideias, pensamentos e ajudando nesse processo de construção/reconstrução, que a meu ver ainda continua (e que bom que continua).
    Um dos motivos pelos quais me inscrevi nessa matéria foi o interesse por esse tema que anda tão falado, que surgiu a partir de uma definição de Autogestão e os meus questionamentos.
    “Entendemos por autogestión el movimiento social, econômico y político que tiene como método y objetivo que la empresa, la economia y la sociedad em general estan dirigidas por quienes producen y distribuien los bienes y servicios generados socialmente. La autogestion propugna la gestión directa y democrática de los trabajadores, en las funciones de planificacion, direccion y ejecución” (Iturruspe, 1988).

    Como funcionaria esse processo, não só dos trabalhadores, mas de um grupo de pessoas no planejamento, direção e execução da gestão? Hoje vivemos em uma democracia representativa, através de uma votação elegemos representantes que tomam decisões em nome daqueles que os elegeram. Esse processo é tido com o incontestavelmente a melhor forma de governo porque provê a população uma forma justa e livre de escolha. O quão livre é essa escolha, uma vez que todas outras formas de governo são tidas como injustas, tirânicas e até ditatoriais. Não seria mais uma ditadura da maioria, aonde as minorias, quando conseguem se fazer visíveis, não tem espaço para expressar sua opiniões divergentes?
    Algumas dúvidas que ficam foram exatamente sobre esse processo decisório, existem outras formas de participação que não são a submissão total a uma autoridade dominadora ou um processo democratizado? E como podemos fazer uma gestão participativa? Nesse ponto a participação dos convidados externos foi fundamental, entre outras coisas, para ter acesso de como os grupos estão fazendo a sua gestão. É um processo que dá trabalho, demanda um investimento, vontade de participar e um saber ouvir do grupo, afinal não é possível se chegar a um consenso sobre tudo, mas as decisões precisam ser tomadas e as ações executadas. Podemos ver que esse processo é algo que sempre se reinventa, não é dado, é preciso construir a melhor forma de coletivizar as decisões de uma forma eficiente.
    Em relação a estrutura, ausência ou presença de uma hierarquia, segundo o conceito anarquista de autogestão, “se caracteriza por eliminar a hierarquia e os mecanismos capitalistas de organização envolvidos”, mas isso não significa necessariamente uma total horizontalidade nas relações ou seja a partilha de informação e a tomada de decisão ao alcance de todos os membros. Para pensar nessa questão acho importante lembrar o conceito de transversalidade de Guattari, quando existe comunicação entre diferentes níveis e diferentes sentidos, entre vertical e horizontal, muitas vezes esse as relações transversais são inconscientes.
    Outro fator que ficou muito claro a partir do depoimento dos convidados, foi o da autoanálise do processo de autogestão, algo que pareceu ser natural e fundamental para os coletivos, uma inciativa que parte de dentro e propicia um entendimento e organização (possivelmente uma reorganização).
    Como foi dito nas ultimas aulas, nas quais fizemos (e ainda estamos fazendo) o nosso processo de autoanálise, esse processo é sem fim uma vez que o fim é próprio caminho. Gostaria de destacar uma frase de Vieira (2007) que é fundamental e poderia até ser um lema, “Ninguém acorda ou acordará de um dia para o outro “autogestionário””. Bem como foi visto na teoria e na nossa própria prática, é um processo de reflexão, que deve ocorre em paralelo com a prática do desenvolvimento de uma gestão que seja ideal e singular para o nosso grupo. Deve ser visto como um processo futuro, uma utopia sim, mas uma utopia concreta se valendo dos processos já passados para a visualização do futuro.
    Para finalizar esse relato gostaria de salientar algo que para mim é o que há de mais fundamental na autogestão (e na vida!), o desejo. O desejo que impulsiona e que faz com que esse movimento aconteça, desejo que impede a paralisação, desejo que constrói, destrói e reconstrói, o desejo que faz o real. Graças ao desejo esse curso foi iniciado e eu desejo que continue.

    Jessica Prado de Almeida Martins

  5. Fui a poucas aulas pois achei as primeiras bem chatas. Apenas uma questão em particular: neste período eu simplesmente não suportei mais o modelo aula. Todo meu afeto estava voltado para os dois estágios. Assim, buscava – quando em textos – os assuntos que diziam respeito a eles. De certa forma, meu motivo para não estar gostando, funcionava como desculpa para não incomodar. Era um motivo, de fato, específico. Mesmo assim, imaginava quão constrangedor seria denunciar o desconforto frente aos que pareciam aproveitar. Experiência entre o desconforto de falar ou a culpa de guardar. Todavia, como disse acima, a particularidade do meu motivo funcionava como desculpa para não denunciar meu des-afeto.
    Ao me imaginar nos afetos que convergiam perante a proposta da disciplina eu achava perigoso vivenciar a experiência me sentindo inteiramente responsável por ela. Sou parte do grupo mas não sou o grupo. Quando presente vi um movimento de unificação muito forte. As atividades eram acordadas e feitas pelo grupo inteiro. Evidentemente o desconforto apareceu, mesmo tendo demorado. Como permitir que a disciplina não se tornasse um único caminho percorrido por todos, mas diferentes caminhos se encontrando e desencontrando ao longo do percurso?
    Das ressonâncias por aqui, ecoam alguns impulsos. De uns tempos pra cá me sinto acorrentado pelo modo de movimento industrial. Isto é, ao iniciarmos alguma atividade fica pré-estabelecido um compromisso financeiro, um compromisso com o mestre, com os horários. Três vetores que, aliados, se fortalecem e acabam por oprimir a vontade que foge aos dogmas da razão. Essa vontade espontânea de aprender, apenas por se encantar com algo. A autogestão ressoa para mim dessa forma: detesto fazer trilha com guia. Eu quero é descobrir junto, esquivar dos caminhos preparados. Quero me agenciar com pessoas queridas, abrir a mata, descobrir lugares inusitados. Dispenso o mestre, dispenso o investimento financeiro-institucional (ou seja, pagar mensalmente por uma atividade), dispenso os horários enrigecidos. Estes últimos chego a considerar, apenas, quando em grupo.
    Não posso deixar de ressaltar o pioneirismo da experiência. Penso que devemos ficar atentos aos níveis de exigência. Relaxemos um pouco e analisemos o que a vivência representa. Suas ressonâncias são territorializantes. Uma disciplina engendrada por alunos. Pensada por alunos e feita por eles. Essa parte me deixa muito contente. Abraços e boas férias a todos.

    Por Ian H.

  6. Fabille leão – Diário de ressonância.

    Buscando um elemento forte ou palavra que pudesse definir autogestão.
    Fato é que num dado momento, ao olhar as ruas via algo similar. Talvez! Porém a prática é o que melhor poderia definir essa composição. Também ao me inserir nesta Comuna; digo: que política não define este movimento, nosso movimento quero dizer. Que fique claro politizar e não se implicar. É não carregar algo comum. Definir-me como homem. Busca o semelhante. Seja pela “tarifa zero”, seja pelo “fome zero” ou outros movimentos. Assim a semelhança dos objetivos, a necessidade comum traz um produto prático. Necessário ao conceito de autogestionária. Capaz de unir um coletivo social.
    No que define a “As práticas autogestionárias” pude elucidar muito bem a sua robustez no conceito. Suas ramificações seus engajamentos, bem como, modos naturais de definições. Definições estas que buscam suprir o básico dos mais básicos elementos que sustentam um processo de autogestão. Que é sua atitude coletiva, sua colocação em todo lugar. Trabalha dimensões excludentes, aproximando vértices distantes.
    A saber, que práticas de autogestão uma vez ministrada, com públicos distintos. Quebra barreiras, definindo muito bem que polos distintos hoje são o maior conceito de autogestão. Assim, todo incomodo convoca para uma reflexão, sadia. Trazendo momentos de permeabilidade da pessoa e absorção de matéria. Vida! Movimento produzido pela ação de fora. Como a todo o momento, no curso houve uma forte reflexão quanto à diversidade social. E suas nuâncias produzidas por vozes dissonantes. Tentando marcar um lugar ou definir sua identidade. Através do pronunciamento colocando sua escrita neste local.
    Vejo que um processo, autogerido pode ser feito através de elementos sociais fortes. Com elementos produzidos pela coletividade. Sendo totalmente oposicionista ao acumulo exagerado de capital. Algo que se aproxima da cooperação das partes e ou reconhecimento da igualdade humana. Não quero aqui cria um conceito, mas identificar o que não é uma práticasautogestionária.
    Agradeço a todos. Admiro o entusiasmo dos docentes e dedicação.
    Fabille leão C.

  7. Confesso que estou há bastante tempo pensando o que vou escrever aqui -e ainda não tenho muita certeza… Fui me distanciando da disciplina conforme o período foi passando, fato que eu não relaciono com nenhuma questão específica que tive com a própria disciplina, mas sim com os meus próprios interesses e investimentos pessoais nesse período.

    Vale questionar o quanto que essa experiência de afastamento e esvaziamento permeia as práticas autogestionárias e se constitui talvez como o maior desafio destas. Sejam por quaisquer motivos individuais que cada um tenha, no final das contas, em um espaço autogestionado, quem leva realmente os projetos até o fim e fazem as coisas acontecerem são aqueles que mais estão engajados e investidos nesses projetos. Minha experiência no CAFS me diz isso e durante a disciplina creio que esse aspecto ficou bem claro também.

    Seria leviano tomar o que acabei de dizer como uma crítica por si só a mim e a todos que esvaziam e já esvaziaram outros espaços também. Antes de mais nada, creio que esse maior desafio também se mostra como uma das belezas da autogestão: a liberdade de cada um de se envolver o quanto pode, o quanto quer e o quanto quer. Para cada um de acordo com suas necessidades e de cada um de acordo com suas possibilidades.

    No final das contas, mesmo que ausente por mim, acredito que a disciplina atingiu seu objetivo e que foi uma grande conquista! Boas férias para nós!

  8. Diário de ressonâncias – Júlia Robaina
    Por conhecer algumas pessoas que participaram do processo de construção da disciplina, eu soube desse projeto e pude entrar como inscrição direta. Interessei-me pela disciplina por ela ser sobre autogestão e pretender funcionar de forma autogestionada, e também pelos temas que seriam abordados ao longo do curso.
    Não considero que me dediquei como poderia e gostaria a essa disciplina. Acabei colocando compromissos pessoais como prioridade. Isso aconteceu não só com a matéria de Autogestão.
    Considero a ideia desse curso como uma iniciativa única no Instituto de Psicologia, visto que as outras disciplinas funcionam de acordo com um modelo habitual e vertical, em que o aluno não participa do processo, do caminho. Para mim, houve falhas, o que está longe de dizer que foi um fracasso. Ao contrário, as falhas apontaram para novos caminhos e reflexões.
    Em algumas aulas que estive presente presenciei discussões que me faziam sentir desmotivada e fatigada, pois as falas me pareciam repetidas, pronunciadas sem reflexão. Aí entra uma falha minha, porque eu não estava implicada o suficiente para expressar o que sentia e pensava, o que talvez pudesse colaborar para o surgimento de outras formas de discussão ou qualquer outra alternativa que surgisse em conjunto com os demais alunos.
    Acho que muitas pessoas pretenderam fazer um curso que criasse uma forma outra de existir, de funcionar. Mas penso que algumas não conseguiram, talvez quando se prenderam a um formato pensado antes do primeiro dia de aula.
    Apesar de ter causado um desconforto em alguns no momento de sua fala provocadora, notei que o curso ficou mais leve quando um aluno levantou a questão da importância da arte, além de ter feito outras críticas. Talvez isso tenha causado alguma tensão, mas uma tensão que permitiu uma reflexão mais honesta sobre o curso que se queria construir.
    Gostei muito de algumas aulas práticas que tivemos, como a visita da Lurdinha, da Ocupação Manoel Congo. Nessa aula ela contou como a ocupação funcionava, suas lutas, algumas situações por quais passaram. E ela repetiu uma frase que ficou em minha cabeça: “eu quero botar fogo no Estado”. Não preciso dizer que achei a Lurdinha uma pessoa muito sábia, ainda mais em tempos de manifestação e repressão policial. Também gostei da visita do Pedro, da Universidade Nômade. Interessei-me pelas lutas desse coletivo, mas também da forma como ele abordou outros assuntos, como o marxismo. Os filmes escolhidos também foram ótimos.
    Portanto, considero que ter passado por essa experiência foi proveitosa.

  9. Diário de ressonância – Karoline Ruthes
    Desde o início das reuniões de planejamento do curso já estava empolgada com a experiência que se seguiria. O curso desde o início levantava muitas expectativas. É claro, nunca antes no IP havia acontecido algo parecido. Um curso construído coletivamente? Reunião de professores de vários departamentos para uma “disciplina” só? Abrir para pessoas de fora do IP/UFRJ? Autogestão? Foram muitas novidades ao mesmo tempo. No decorrer dos encontros foi se construindo nosso modo de trabalhar. Foi também diminuindo o número de pessoas dentro da sala. O que em minha opinião não significa de maneira nenhuma um fracasso, como alguns poderiam pensar. Acho que o fato de não ter muitas pessoas em sala foi importante para que todos ali se conhecessem, se vissem, criassem vínculos que fossem além daquele espaço físico (GT bar!).
    Acho que foi uma dessas experiências que eu vou sair contando por aí que fiz parte, na história do IP e na minha própria. Legal ver que está criando várias ressonâncias, como uma possível continuidade e criação de experiências como essa em outros lugares. Bom, fora a satisfação pelo simples fato de participar disso tudo, acho que o que ficou mesmo marcado em mim foi o encontro com as pessoas e grupos que fazem da autogestão um possível. Um possível nada fácil, mas que está aí para ser experimentado, vivido, suado, compartilhado. Lembro que um dos dias mais significativos para mim foi o encontro com a Lurdinha, da ocupação Manuel Congo. Fiquei completamente encantada e emocionada com seu relato. Achei lindo a maneira como aquelas pessoas conseguem se inserir na cidade, numa resistência diária à sociedade capitalista e perversa, que tira um dos direitos mais básicos do ser humano, em detrimento dos interesses dos grandes empresários e de uma gestão suja e vendida. Muito inspirador a forma como ela narrou a experiência e contou dos desafios e das felicidades. Mais dos desafios. Foi bom ver como uma prática autogestionária pode ser potente mesmo num contexto tão delicado.
    O encontro que tivemos sobre análise institucional foi bem legal. Análise Institucional é uma coisa que eu nunca me canso de aprender mais, e foi ótimo ter uma aula construída e apresentada por parceiros do curso não-professores. Me inspirou a investir mais nesses estudos e práticas!
    A aula onde tivemos uma uma livre experimentação artística foi incrível! Desde o estranhamento inicial de chegar na sala, sentar no chão e começar a batucar sem ter tempo para acabar, passando pelo contato entre os corpos de uma maneira tão diferente da que estamos acostumados na academia, até a construção de uma cena marciana de invasão interplanetária. Muita vontade de ampliar isso para outros espaços dentro da universidade, que é tão cristalizada nos modos de tecer relações, onde o corpo comparece de uma maneira tão restrita e regrada. A gente pode fazer isso mais vezes.
    Muito potentes e muito cansativas a prática das assembléias. Aquelas marcadas e aquelas onde elas aconteciam. Resoluções a serem fechadas, críticas e sugestões a serem feitas, defesa de ideias, disputa de sentidos… Todo um encontro para acordar um cronograma e na outra semana tava tudo desfeito! Mas acho que foi esse o tchan da coisa. Ter oportunidade de, coletivamente, chegar a um entendimento e um consenso de que podemos mudar o percurso e fazer dele outra coisa. Como diz Chico César: “Caminho se conhece andando então vez em quando é bom se perder”.
    Acho que para as próximas vezes em que toparmos essa aventura, fica o toque de promover mais encontros ao ar livre, mesmo que seja o ar condicionado livre de outra sala diferente das do IP, numa visita a algum de nossos parceiros e grupos que tivemos o prazer de conhecer durante essa jornada.
    Fica o desejo de compor essa prática coletiva em outros espaços, outras histórias… Me sinto ainda mais provocada a espalhar essa coisa por aí!

  10. Pessoal, deixo aqui o meu diário. Abraços!

    Diário de Ressonâncias
    Chegando ao fim da disciplina, é hora de retomar os conteúdos estudados, examinados e (principalmente) discutidos de modo a fazer o diário de ressonâncias. Muitas coisas podem ser ditas sobre o percurso da disciplina, o que implica numa seleção intencional dos conteúdos que mais me chamaram a atenção. Dito isso, não espero cobrir todos os conteúdos, muito menos todos os dias, ou mesmo fazer um relato cronológico perfeito. Irei me ater em levantar as questões que a disciplina mais suscitou para mim, e que pretendo continuar levando de modo a continuar questionando acerca destes temas.
    Portanto, logo de cara não posso deixar de dizer que o tema da disciplina em si é algo que me inspira muitas questões. Particularmente eu não conseguia deixar de pensar sob os modos clássicos de gestão através de lideranças e representações. Me parecia, antes e ingressar na disciplina, que modos de gestão diferenciados estariam ou fadados ao fracasso ou, na melhor da hipóteses, sendo apenas possíveis em contextos específicos, portanto restritos.
    A grata surpresa que tive ao estudar este semestre a Autogestão foi poder repensar esta questão. Longe, é claro, de supor a autogestão como a panaceia dos problemas de gestões clássicas, mas sim utilizá-la para pensar em suas potências, sobretudo, nas questões que elas levantam. A autogestão, inclusive, mostra-se possível, e fica o exemplo do Centro Acadêmico (o qual comentarei posteriormente).
    As propostas de autogestão me chamaram imensamente a atenção por serem uma forma de gestão bastante distante do que vemos normalmente. Pode parecer bater na mesma tecla quando eu repito isto pela terceira ou quarta vez neste diário, mas se o faço é pelo fato de ter realmente despontado como ponto importante do tema. Me surpreendeu perceber que um modelo de representação por uma liderança é algo tão enraizado na mentalidade do ocidente que uma simples forma de repensar as práticas de gestão soa estranha, impossível e, como debatemos em sala, para alguns, até absurda. Sobretudo por se calcar numa espécie de individualismo onde todos somam suas individualidades numa massa que elege este ou aquele representante por uma personalidade ou força de expressão. A autogestão coo forma de organizar um coletivo que se gere a partir dos seus próprios membros desafia esta mentalidade, quase provocando-a. Como bem surgiu numa das proveitosas discussões em sala, fica a frase de um manifestante que, em plenas manifestações de junho, interpelado por um repórter sobre quem ele seria na “liderança” do movimento, disparou: “Anota ai: Eu sou ninguém”.
    Dentro de meu deslumbramento, ficaram registradas as conversas que pudemos realizar com diversos convidados que pensam modos de gestão autogestionários (ou ao menos tangentes a este tema). As práticas de autogestão são difíceis, mas se mostraram, ao meu ver, uma dificuldade pautada num desafio de tornar uma outra realidade possível, através de uma luta para repensar um modelo antigo (por vezes falido) através de uma nova mentalidade (ainda que desafiadora).
    Ficaram, portanto, mais despontadas para mim as conversas com os convidados da Assembleia do Largo, da Frente Popular e da Universidade Nômade. Coletivos e organizações que, cada uma a seu modo, tentam levar adiante suas propostas sempre de modo que desafia um modelo de representação que poderia anular diversas vozes e diversas questões. Mais precisamente as dificuldades (e potencialidades) de práticas autogestionárias se mostraram relevantes e interessantes nas duas primeiras conversas, onde os grupos normalmente levantavam pautas políticas complexas, sabidamente geradoras de debate e polêmicas.
    Um aparte breve cabe neste diário quando a disciplina veio numa época onde (e motivada por) manifestações estouraram pelo Brasil afora, desfilando indignação com temas tão numerosos que denunciaram a falência de um sistema de governo que precisa ser urgentemente modificado. As discussões em sala foram muito boas para repensarmos os modos de manifestação, e acredito que sejam de extrema importância para as manifestações que estão por vir. 3,05 no ônibus com certeza vai fazer o Rio de Janeiro parar.
    De todo modo, antes de fechar meu pequeno diário, faço uma menção ao exemplo do CAFS, que tenta há algum tempo fundar-se em práticas autogestionárias. Apesar de não fazer parte das reuniões, acredito que as experiências dos participantes foram de extrema valia para impulsionar a disciplina para onde ela foi, de modo que, apesar da sabida falta de uma resposta para “o que é autogestão?”, creio que tenhamos um caminho valioso percorrido que, com certeza, de algum modo, contribuiu para a empreitada do Centro Acadêmico (e é claro, para todos os inscritos na disciplina, alunos ou não).
    Por fim, findo meu diário de ressonâncias levantando novamente meu deslumbramento com o tema. Acho que, após todo este percurso, o tema da autogestão é, além de uma prática interessante, um analisador poderoso para nos fazer pensar em novos modos e novas potencialidades para velhos problemas. Para além de uma solução, fornece uma reflexão. Creio que seja esta a maior ressonância que devo registrar em meu diário.

  11. Diário de Ressonâncias

    Na tentativa de criar sentidos para as experiências que vivi no curso e compartilhá-las com vocês, me pego seguindo uma direção um pouco cronológica – volto a um momento inicial de discussões, quando nos colocamos em conflito uns com os outros e com nós mesmos, em nossos hábitos institucionais. Lembro da sensação que tive, do interesse em estar discutindo os moldes da universidade com os meus colegas, muitos bem mais novos que eu, e do medo tremendo do desgaste futuro. Tivemos reuniões que duraram muitas horas e percebo que foi aí que comecei a conhecer as pessoas que habitavam aquele espaço comigo há algum tempo – só quando começamos a discordar, a concordar, a deixar o afeto aparecer. E que dificuldades surgiram daí! Quantas perguntas… Esse momento não foi compartilhado por todos que terminam o curso, mas acho que foi essencial, levantou muitas boas questões, que duram até hoje… Será que tem um limite quantitativo que permita a gestão ser realmente compartilhada¿ Como dialogar com as instituições que atravessam¿ Quais são as instituições¿ Como gerenciar o coletivo¿ Qualquer um pode entrar e sair¿ Como olhar e organizar o referencial teórico¿
    Essas são questões que acompanham o curso para mim, suscitando tanto a reflexão no que diz respeito à própria construção do curso quanto no que surgiu nas práticas narrativas. Carlos trouxe a experiência do MST, uma estrutura mais organizada, que funciona por delegação e consegue dar conta da gestão de muitas familias. O Pedro, por outro lado, trouxe uma prática da Assembleia do Largo de dividir em grupos de pessoas menores, com umas 50 pessoas, para que os assuntos possam circular e todos possam participar. Nós mesmos nos deparamos com uma procura grande de pessoas pelo curso e nos deparamos com um movimento de esvaziamento…
    Mais do que encerrar a questão em um motivo ou não-motivo, acho que as perguntas tem que continuar a nos fazer perguntar, nos fazer querer saber – de preferência juntos. Na sala, na chuva, no GT Bar (e na fazenda, se alguém tiver alguma…). No acampamento, no sítio, na UFF. Minha vontade é continuar juntando. Já deixo registrado, ressoando durante as férias.
    Pensando sobre o curso, sobre as pessoas que chamamos para estar conosco, sinto que ficou uma falta, uma lacuna em muitos desses dias. Gostaria que tivéssemos compartilhado mais do nosso curso, das nossas impressões, do nosso estudo juntos com quem chegava. Quanto a esse espaço para convidados, acho que foi um ponto alto do curso. Sinto que tomamos um susto com a Lurdinha, que nos arrebatou com sua fala. Não conseguimos falar nada, não deu tempo… Eu fiquei encantada, hipnotizada por ela. O que ela trouxe de experiência na manuel congo me tomou. Senti a urgência da luta por reconhecimento institucional, a instabilidade de uma luta diária contra uma lógica, que se infiltra muitas vezes… Percebi na fala dela anos de trato com essas instituições que atravessam a luta pela moradia. Me chamou a atenção a complexidade da situação: como ter um posicionamento ético e ao mesmo tempo estratégico- institucional (muitas vezes essencial para a sobrevivência)¿ Penso que “é preciso estar atento e forte”. Que as reuniões são essenciais, por mais chatas que sejam. Que é necessário ter um conhecimento “técnico” para se conseguir atingir e sensibilizar as pessoas, no caso da Lurdinha, a fala precisa e coerente.
    Outra questão que penso é sobre o processo de decisão coletiva. Nós acabamos seguindo a maioria, quem sabe o consenso, nas decisões do curso. Lembro que a Terra Una trouxe a necessidade que eles têm de se ter o consenso, ainda que esse seja um processo demorado. A Lurdinha também falou de consenso na ocupação, e também de algumas regras estruturais, ‘mandamentos’ seguidos por eles, que demoraram muito tempo para serem tirados. Fico pensando que a autogestão é uma construção em movimento – muito dificil de lidar.
    Enfim, o que fica ainda é muito. Estou pensando bastante sobre como a gente se afeta, para saber como afetar também. Como chegar no outro? Como construir junto? Como criar um espaço em que não faça sentido ‘fazer por crédito’, um espaço apropriado por todos…

  12. Ressonâncias autogestadas (Clara Camatta)
    “Trabalho arduamente para fazer o que é desnecessário
    O que presta não tem confirmação,
    O que não presta, tem”
    (Manoel de Barros, Livro sobre Nada)

    Primeiro dia do curso, cheguei atrasada. Atravesso o corredor em direção a sala aos saltos, a excitação me consome, o olho brilha e o sorriso não se contém. “Está mesmo acontecendo? Saiu do papel!”. Entro na sala e quase os 90 inscritos estão ali. Um turbilhão de pensamentos e sentimentos se mistura: “Será que vão todos continuar? Será que vamos reformular tudo? Será que vai funcionar? Será que a gente vai se ouvir?”. Assustador e desafiante.
    A turma estava dividida em grupos para discutir o programa proposto, entro em um deles, ainda muito agitada e vejo que falávamos de muitas coisas, especialmente sobre as manifestações e a EBSERH, mas discutíamos pouco o programa. Em alguns momentos, interrompia a discussão pedindo que fossemos mais objetivos, pois o tempo era curto. Me senti a chata, o reloginho que interrompe os fluxos que se inauguram e os atropela. Ao fim, conseguimos pensar o programa e toda uma folha de caderno estava abarrotada de idéias e sugestões. Lembro de na hora ter pensado sobre como o processo grupal é rico e como ficamos engessados em determinados idéia e circuitos as vezes: em tão pouco tempo surgiram inúmeras idéias que não haviam aparecido em várias reuniões anteriores de elaboração da proposta do cronograma.
    Quando abrimos para a turma toda, nossa grande dificuldade logo se apresentou: como sintetizar e discutir todas as idéias em um tempo escasso? Não se tratava mais de alguém falando sobre o tempo da atividade, mas da demanda institucional de que encerrássemos a aula para que a sala fosse utilizada por outra turma. Como deliberar sem sentir que a discussão se esgotou? Como discutir sem fazer com que todas as aulas fossem para pensar o curso e pudéssemos não só pensá-lo, mas vivê-lo? (não que pensar sobre ele não fosse em alguma medida, também, vivê-lo). Pensamos em GTs que se reuniriam na hora final de cada aula para pensar os próximos encontros, uma tática que se mostrou ineficaz. A autogestão demanda maior implicação, mais energia para estar ali e, no final dos encontros estávamos todos exaustos e com uma pressa de ir embora, tornando as discussões dos GTs rápidas e esvaziadas.
    Nas aulas que se seguiram, vimos o já esperado, porém não desejado, esvaziamento do curso. As aulas de discussão sobre autogestão, disparador para a disciplina, se iniciaram. Acreditei que agora teria as respostas para os conflitos que vivia em outros espaços autogestados, como o CA e, enfim, conseguiríamos estabelecer um parâmetro fixo para o que é autogestão, uma fórmula para o seu funcionamento. Doce ilusão. As discussões eram sempre muito teóricas, distantes de uma prática e sem conflitos. Todos concordavam e eu só me lembrava de Nelson Rodrigues que diz: “toda unanimidade é burra”.
    Líamos que autogestão era uma forma de gestão horizontal, onde todos são protagonistas das decisões e que a defesa de ideais fascistas não cabia nesta forma de gestão que é uma escolha política e não meramente organizativa. Entretanto, as minhas dúvidas permaneciam (e acho que ainda permanecem): tudo precisa ser decidido por consenso? Por que sempre as mesmas vozes soam? Será o consenso unânime?
    Em paralelo a isso, no CA vivíamos um momento de reformulação e grandes questionamentos, com a participação de pessoas que não se viam cabendo naquele espaço e, por isso mesmo, resolveram ocupá-lo. Ocupação que, para mim, foi a maior opção autogestionada, que nos forçou, enquanto coletivo, a problematizar a nossa forma de organização, especialmente por estarmos em um espaço representativo. Ocupação que me angustiou e somou-se à mesmice que se tornaram as aulas teóricas de autogestão, me levando a uma completa falta de tesão pelas quintas-feiras a tarde. Debandei do CA e passei a freqüentar uma ou outra reunião apenas, enquanto insistia no curso de práticas autogestionárias. Insistência que me levou a conhecer outras experiências de autogestão e à constatação mais incrível: nenhuma era igual a outra. Havia versões mais autoritárias, versões seletivas dos seus participantes, versões militantes, versões cotidianas. Sinestesias (ver sons), misturas, possibilidades mil. Desconstruí nestas vivências-narrativas a idéia de uma fórmula para a autogestão. Hoje, ela me parece ser mais uma vontade política, uma escolha ética de viver os espaços coletivos, de ser eu e ser o outro.
    “em mim
    eu vejo o outro
    e outro
    e outro
    enfim dezenas
    trens passando
    vagões cheios de gente
    centenas

    o outro
    que há em mim
    é você
    você
    e você

    assim como
    eu estou em você
    eu estou nele
    em nós
    e só quando
    estamos em nós
    estamos em paz
    mesmo que estejamos a sós” (Paulo Leminski – Contranarciso)
    Nas primeiras assembléias que tivemos para repensar o percurso que estávamos trilhando o silêncio se fez presente. Minha sensação era de que havia um incômodo geral, mas que não sabíamos nomear e fomos tentando tateá-lo, sem nunca chegar ao ponto principal, até que em uma determinada assembléia, a discórdia substituiu o silêncio e os afetos se colocaram. E dos afetos pronunciados surgiu uma aula de arte imprevista. Dinâmica, toque, entrar em contato com o outro. Era o que faltava durante o curso, o espaço de ser íntimo para ser diferente. E, daí, me veio um grande aprendizado: na autogestão, é preciso se conhecer e conhecer o outro, não se sustenta ficar só no espaço da discussão.
    Tudo isso me fez pensar no CA, no meu estágio – onde as reuniões supostamente horizontais são verticalizadas – e nas minhas relações pessoais, ressoa para a minha vivência cotidiana o me permitir viver o encontro. Acho que não é a toa que autogestão, especialmente sua versão autogestada, me lembra de gestação. Esse curso surge de um embrião, uma idéia sobre uma disciplina que ganha forma, cresce, se desenvolve e, após alguns meses é parida em uma quinta-feira qualquer. A gestação enfim se encerra e o encontro dos corpos se estabelece olho no olho. Encontro que é e foi a grande produção desse curso pra mim. Encontro de teorias, idéias, angústias, corpos. Encontros fáceis e encontros difíceis. Encontros que foram, são e serão trocas.
    “Mas as coisas findas,
    muito mais que lindas,
    essas ficarão.”
    (Carlos Drummond de Andrade – Memória)
    Carinhosamente e saudosamente,
    Clara Camatta

  13. Diário de Ressonâncias
    Rafael Figueira Padrão

    Ao contrário de grande parte da turma eu entrei na matéria sem grandes expectativas. Não havia participado do processo de elaboração da matéria e nem sabia dele até o primeiro dia de aula. Meu único contato com autogestão até então era com iniciativas de economia solidaria, como cooperativas e oficinas de geração de renda da rede de saúde mental. Nunca tinha parado pra pensar que autogestão poderia ser muito mais do que um modo de organização do trabalho. Foi uma grande surpresa uma matéria que seria autogestionada e em que professores e alunos ocupariam aquele espaço em pé de igualdade. Jamais imaginaria isso acontecendo na faculdade e fico satisfeito de ter feito parte dessa jornada. Podemos não ter chegado a uma definição de autogestão, mas certamente chegamos a uma indefinição que expandiu o conceito de uma maneira muito rica.
    Os melhores momentos da matéria certamente foram os encontros com os convidados, iniciativas, projetos, ideias que eu não conhecia antes e que encontraram ecos em mim. Por outro lado a autogestão da disciplina foi extremamente exaustiva, certos dias tive vontade de não ir às aulas porque seriam horas de discussões sem fim. Isso certamente contribuiu para que eu observasse as discussões de fora. E também como foi dito em sala algumas pessoas que não se colocam em grupos grandes podem se colocar em grupos menores. Acho que a forma como começamos o curso, dividindo em grupos para discutir e a proposta das pequenas células, era um ótimo caminho e não entendi porque isso se perdeu e nos desviamos dele. Se o curso acontecer novamente acho que retomar essa proposta traria mais vozes ao coro.

  14. Rio de Janeiro, 19 de dezembro de 2013

    Gestão de que? Da cidade, de direitos, de deveres, de espaços, de vidas. De vidas. Falar em autogestão é trazer para si a responsabilidade, ao mesmo tempo que se compartilha funções e atividades para assim construir caminhares. Plurais. Sempre plurais, nunca à direita, passando por anarquias, esquizoanálises, análises institucionais, socialismos, marxismos. Trazer perspectivas criticas para falar da historia, da cultura, da cidade, da economia, de um regime de fazer viver onde caibam mais pessoas e vozes.
    Per-correr exige dois modos de presença: de um lado, uma atenção ao aqui e agora a cada detalhe exposto ao seu redor. Processos esmiuçados, muitas vezes intermináveis: GT comunicação, GT divulgação, GT didática, GT bar! Atenção dedicada a cada movimento, ação, cheiro, olhar, cor, sensação, vozes, falas. De outro lado, um desassossego provocado por aquilo que lhe é estranho – “que merda de aula é essa?” Diriam alguns. Dois modos de presença intensas e paradoxais. Como correr em um lugar que não se conhece? Como estar confortável em um lugar nunca visto antes? O que se faz presente é a ineficiência de qualquer tentativa de explicar, entender ou interpretar o que acontece. São pessoas. Não são objetos. São e não são pessoas e objetos. Processos.
    Posso dizer que de largo, o mais interessante em fazer parte desse processo foi escutar, sentir e entrar nas histórias, relatos e ressonâncias dos “convidados” que quase toda semana vinham na disciplina, falando mais da segunda parte do curso. Ter dimensão do macro e da micropolítica inscrita em práticas autogestionárias cidade a fora (sejam relativas às manifestações, às moradias, ao trabalho) comunica muito bem o viés politico de se debater gestão.
    Na experiência de caminhar, proposta nesse curso como método, há um processo contínuo de colheita, a partir do qual cada aula vai sendo tecida, os argumentos construídos, as ideias expostas. Fazer do caminhar um método não é coisa trivial. A escolha é proposital, por vir de trilhos da psicologia e da educação, o fio que articula as reflexões é precisamente um dos modos de como é praticada a autogestão, insto é, como é conjugado o verbo conhecer no campo da psicologia e da educação quando se encontra com o que vivemos.

    Por Thiago Colmenero

  15. Escrever um diário de maneira pública não é algo, que a principio eu escolheria fazer. É como dizer em voz alta na turma, tudo que passou ao longo desse semestre e ficou para mim. Acredito que até na escrita torna um pouco constrangedor. Sendo assim vou compartilhar algo que ficou para mim. De tantas coisas que passaram, pensei em duas músicas, que expressam um pouco de algo que sinto e que para mim tem bastante relação não só com o que vimos às leituras que fizemos e discutimos, mas também do contexto na qual ela foi criada e oferecida. Então deixo as músicas falarem por mim.

    Hino à Rua – Letra e fala

    Ela é mais que o asfalto onde eu piso
    Ela é o caminho que nos leva à liberdade
    Quando os povos oprimidos a conquistam
    É a parte mais bonita da cidade
    É ela quem escuta os nossos gritos
    O riso, o choro, o lamento de dor
    As bombas, disparos, os golpes brutais
    De quem pratica a guerra e fala em paz

    [Refrão]
    Ela é dos cantos, das batucadas
    É o povo unido quem a detém
    É das bandeiras, das barricadas
    Ela é de todos porque é de ninguém
    Não é dos chefes, nem dos patrões
    Não é uma posse, não é um bem
    Nem dos Estados, nem das nações
    Ela é de todos porque é de ninguém

    Rua. Segundo lar
    Primeiro campo de futebol.

    Te querem apenas caminho
    pra quem te depreda com fumaça preta

    Te querem assunto de urbanistas,
    engenheiros,
    criminologistas.

    Eu te quero assunto de poetas
    De amantes
    e de povos rebelados.

    Te quero
    dos que te construíram e que hoje não te podem desfrutar
    Porque foram descartados, porque foram despejados

    Toda ocupação que resiste no centro da cidade
    tem um pouco de quilombo

    Ameaça ao latifúndio urbano
    Monocultura cinza movida a petróleo e suor
    O suor de quem vem nos trens lotados

    Todo busão que vem cheio das quebradas, que vem cheio de catracas
    tem um pouco de navio negreiro
    Transporte desumano de carne humana
    Pra ser moída e desossada no trabalho

    Rua, você é de todos
    Que fora do trabalho são suspeitos
    De roubar, de depredar, de discordar
    Ou de não contribuir pro crescimento do Produto Interno Bruto

    Quem veste um capuz e extermina na favela é um pouco capitão-do-mato

    Rua,
    Te quero das mulheres ensinadas desde cedo que só podem brincar dentro de casa
    porque a rua é perigosa, porque a rua é violenta
    porque a rua é dos meninos que não sabem respeitar

    Rua eu te conheço, quem te faz uma ameaça às meninas e mulheres
    É a mesma opressão que torna as casas inseguras
    Mais que as ruas

    A rua é de todos os amores
    É daqueles que tiveram que ocupa-la
    pelo direito de existir

    Todo discurso moralista que se opõe à igualdade
    Que se opõe à autonomia sobre o corpo
    É um pouco tribunal da Inquisição

    A rua não comporta privilégios
    Não tem dono nem tem preço

    É como o vento, o sol, a chuva
    o calor, as nuvens, cores
    minha alegria e minhas dores.

    Por isso hoje eu vim pra rua

    13 de junho de 2013, noite fria
    Ocupamos a rua para devolver o que é dela de direito
    O lugar da assembleia mais legítima

    Na televisão 5 mil vândalos sem causa interrompiam o trânsito

    Nas ruas…
    15, 20 ou 30 mil lutavam por uma vida sem catracas

    Nos chamavam “loucos” como chamavam os balaios que encaravam o poder de peito aberto
    em um país construído sobre corpos, assentado sobre o sangue
    Dos explorados

    Nos chamavam “criminosos violentos” como chamam violento ao rio que tudo arrasta
    Mas não as margens que o oprimem

    Criminosos também eram chamados os luditas,
    panteras negras, zapatistas, feministas
    milicianos da Espanha, guerrilheiros da América Latina

    insurretos de Istambul, do Cairo e de Atenas
    de Buenos Aires, de Paris, de Cochabamba
    de Pequim, de Porto Príncipe, de Gaza
    de Londres, de Soweto, de Lisboa

    Trabalhadores anarquistas da Itália ou de São Paulo
    quilombolas da Jamaica ou da Bahia
    rebeldes e poetas de todas as periferias

    Loucos, criminosos, estudantes
    Nos querem dentro de hospícios, de cadeias, de escolas
    Longe das ruas

    Querem as grades, os muros, as cercas, as catracas
    Uma cidade em que circulam carros, mas onde as pessoas
    São confinadas

    Jornalistas, doutores, políticos não podem entender
    Que democracia é muito mais que apertar um botão de vez em quando

    Que estamos dispostos a fazer a nossa história mesmo nas piores condições
    Que não temos ilusões, nem vivemos fantasias
    Somos aqueles que se movem
    E por isso sentimos o peso das correntes que nos prendem

    Eles podem mas não querem entender
    Que já sabemos que o Estado e o capital são gêmeos siameses
    Vivem brigando, mas partilham o mesmo sangue e o mesmo coração
    Nasceram juntos e juntos vão morrer pelas mãos dos explorados

    Que já sabemos que o estado de exceção em que vivemos
    É na verdade regra geral
    Que essa paz que oferecem não é nada além de medo

    Que passado este medo não haverá quem defenda suas mansões
    E não vai faltar quem abra as portas pelo lado de dentro

    Que em tempo de desordem sangrenta e confusão organizada,
    nada nos parece natural
    Nada nos parece impossível de mudar

    Que agora as mentiras da TV são motivos de piada
    Que o rei está nu e sua foto tá nas redes sociais

    Que foi nos organizando que nós desorganizamos
    E que é desorganizando
    que vamos nos organizar

    Nada do que venha a acontecer vai tirar de nós o sentimento
    de ter tomado o céu de assalto
    de ter presenciado quando a vida surgiu de uma nuvem de gás lacrimogêneo

    Arrancamos a política das malhas do mundo profano

    Nossas palavras dedicamos a
    Ademir, André, Carlos Eduardo
    Cleonice, Douglas, Eraldo
    Fabrício, Igor, Jonatha
    José Everton, Lucas, Luiz
    Marcos, Renato, Roberto, Valdinete

    E a todas as vítimas anônimas da violência do Estado
    em sua defesa feroz do capital

    Na rua nenhum monumento é inocente
    Nela os que tombaram ressurgem pra lutar ao nosso lado

    Os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer
    Combatemos para que não morram a morte do esquecimento
    Combatemos para impedir o inimigo de vencer

    Hablando de anarquismo
    Sin Dios
    Cuando hablamos de anarquismo hablamos de igualdad
    … no hablamos de imposición
    … hablamos de cooperar
    … no hablamos de competir
    libertad de oportunidades para todos y todas
    siempre junto al débil, unidos contra el fuerte
    cuando hablamos de anarquismo hablamos de responsabilidad
    … no hablamos de vaguear
    … hablamos de corazón
    … no hablamos de aparentar
    bebe y lucha no es nuestro lema , la estética no importa
    ni el punk es libertario, si se queda en los bares
    cuando hablamos de anarquismo hablamos de acción directa
    … no hablamos de burocracias
    … hablamos de autodefensa
    … no hablamos de violencia
    niños y mayores, hombres y mujeres
    cuando hablamos de anarquismo
    paisanos y extranjeros, guapos o feos
    cuando hablamos de anarquismo
    sin dogmas ni verdades, sin farsas ni mentiras
    lo iremos construyendo
    sin machos ni jefes, sin polis, ni macarras,
    sin reyes ni empresarios

  16. nao sei se consegui postar no lugar certo, fica um aqui tambem..

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ

    Geórgia Lau; João Pedro Simões; Rafael Ostrovski; Victor Cumplido
    Praticas Auto Gestionárias – Diário de Ressonâncias coletivo

    chatíssimas
    são as pessoas
    que falam sobre Anarquismo
    sem um pingo de emoção

    Para a elaboração do diário de ressonâncias, pensamos em um diário coletivo pois acreditamos que assim tomamos com mais atenção os vetores relevantes, bem como imaginamos que a elaboração em conjunto pode ser importante para que sejam lembrados também, vetores menos óbvios. Acreditamos que uma prática coletiva deste tipo de exercício pode também ser importante para lembrarmos mais uma vez da autogestão e deste modelo de organização entre um determinado grupo. Não queremos que transpareça uma leviandade de cada um ou algo do genêro, mas todos viemos experimentando ações coletivas nos últimos tempos, e a força de se estar em grupo é algo que ultrapassa as qualidades e possibilidades de um indivíduo apenas. Além disso, podemos perceber que este exercício coletivo foi importante uma vez que passamos a trocar algumas impressões sobre as aulas e discutimos pontos em dissonância, acreditando que a soma de todas as partes é prerrogativa para um todo. Quanto mais se soma, mais se tem a ganhar. Mesmo que sejam apenas possibilidades a serem discutidas. A ideia de se fechar um todo – completá-lo ou tomá-lo como algo dado – é oposta ao múltiplo embate de ideias. Esse último é o que permite a criação de algo novo, o contato com o inesperado.
    O curso começa com uma ideia diferente daquela mais convencional nos meios acadêmicos. Teoricamente, o curso deveria ser gerido e ministrado em conjunto, sem hierarquização de poderes, horizontal, autogerido pelos que estavam interessados no programa, sem distinção entre as funções instituidas pela universidade. Ou seja, na turma havia um grupo misturado de alunos da graduação, professores, alunos de extensão, interessados, estudiosos e pesquisadores do tema, de diversas áreas do conhecimento. Sendo assim, não deveria haver alguém que respondesse por todos, que representativamente escolhesse a direção a seguir, mas todos os passos deveriam ser tomados em uníssono e coletivamente, da maneira mais apropriada que pudéssemos elaborar. Há de se reconhecer o esforço de se levar a cabo tal ideia, e a validade que a aplicação prática desta tem para os alunos, professores e para a instituição.

    “(…) Não se pode negar que se trata de uma fascinante ciência. Farto estou de haver visto homens cultos, literatos, poetas, políticos que procuraram e acharam nessa ciência o seu mais elevado conforto e a sua última finalidade, apenas tendo conseguido fazer carreira mediante emprego de tais dons.” O Idiota, Dostoiévski.

    As primeiras aulas foram basicamente alguns acordos que precisávamos fazer, como por exemplo se iríamos sentar em roda na sala e como funcionaria a comunicação entre os participantes, e se esta seria celular ou não. Infelizmente houve uma precipitação por parte de algumas pessoas mais inflamadas em tentar formular um método adequado para o encaminhamento das aulas, o que, apesar da boa vontade, acabou por sair como um tiro no pé. Isso foi um resultado de certa forma esperado para um experimento deste tipo numa instituição como a nossa, uma vez que ela nos impõe prazos, metas, pressupostos, razões e outras questões burocráticas que fazem com que discussões sobre a metafísica da nossa prática e os conceitos que poderiam ser criados coletivamente neste espaço/tempo, acabassem sendo deixados como secundários ou menos importantes.

    EEEPPAA.. e faltou também além da metafísica algo que nos tirasse constantemente do lugar comum, algo que não trouxesse conforto, mas desconforto!

    Embora saibamos os limites que nosso corpo habita neste tipo de cenário institucional, acreditamos ter havido uma despreocupação filosófica geral no que tange a elaboração do próprio conceito de autogestão e do conceito de curso acadêmico, uma vez que, tomados como pressupostos menos importantes, ao invés de serem repensados e resignificados coletivamente, acabaram servindo apenas como um desestimulante geral para os inscritos na disciplina, uma vez que muitos dos que estavam ali não sabiam o quê estavam fazendo no curso, para quê estavam fazendo, ou simplesmente não quiseram saber como iriam fazer qualquer coisa ali dentro. Ou seja, a ideia era fazer um curso autogerido sobre autogestão, mas o que aconteceu é que não foi discutido – ou foi muito pouco – o que significava para nós o conceito autogestão, muito menos como autogerir um curso acadêmico. Algumas soluções que pareciam brilhantes na hora foram capturadas quase que automaticamente, apenas por não haver sugestão melhor naquele momento. Isso gerou um efeito bola de neve, mas ali não teríamos como saber onde ia dar, muito menos teríamos a presunção de afirmar que as coisas, do jeito que caminhavam, não iriam terminar tão bem.
    Ok, não vamos dizer que não deu certo. Mas também não vamos fingir que funcionou da melhor maneira. Não acreditamos também que o processo se daria sem tropeços naturais, ainda mais conhecendo os trâmites institucionais que pairam suspensos no ar universitário. Porém, julgamos que deveria ter havido uma maior preocupação com a essência das questões mais triviais, como criação de conceitos, calendário, práticas ou simplesmente a criação de métodos de estímulo a participação de todos. Podemos até mesmo afirmar que houve ingenuidade quando não foram pensadas estratégias para a promoção da participação e integração entre os membros do grupo, ou seja, por determinar que as pessoas, apenas por estarem presentes naquele espaço, estariam em um estado de coletividade e que isso possibilitaria ao grupo autogerir-se.

    “Monotonal.
    Sua fala é como um zumbido
    o cérebro recebe ondas-alfa
    eu quase durmo”

    Alguns de nós, em certos momentos, sentiram-se como que imersos em angústia semelhante à d’O Processo de Kafka: havia uma tentativa de elaborar a situação, compreendê-la em seus descaminhos, mas ao buscar soluções, se viam perdidos a um meio que funcionava de modo maquínico, impessoal, e portanto sem ter a quem recorrer de forma comunicativa. Ainda que o espaço da fala estivesse aberto nas aulas, a sensação é de que todas eram de alguma forma capturadas, perdendo-se a ideia original do postulante, tornando-se algo coletivo, porém não necessariamente bom por isso. Essa sensação foi compartilhada não apenas por nós, mas por outras pessoas do curso com quem trocamos idéias sobre a aula durante o semestre, havia o sentimento de falta de espaço de expressão, além de uma crítica constante à forma como as discussões eram conduzidas; observava-se literalmente mais uma vontade de cada um em expor uma fala do que ouvir a posição do outro e propor algo a partir desta. Não eram feitas perguntas, a impressão passada foi a de vários monólogos sucessivos disconexos, na maioria das vezes (isto no contexto das aulas expositivas).

    —- E tiveram os bons momentos também. Ouvir experiências práticas de pessoas que vivem algo do tipo foi enriquecedor, poder partilhar de alguma forma dessas histórias e lutas. Havia ali a necessidade explícita estampada, precisamos da autogestão pra funcionar, pra que as pessoas neste contexto vivam, não escolheram isto, o aspecto foi tomando contorno, se desenhando.

    Quando nós pensamos no significado de grupo, gostaríamos que fosse apenas definido como mais de uma pessoa em conjunto. Porém, consultando rapidamente qualquer dicionário de bolso (PRIBERAM), podemos agregar novos horizontes de significação. Embora o primeiro e mais obvio significado seja o de ‘um número de pessoas ou de coisas que formam um todo’, ou de ‘associação’, preferimos pensar no significado de grupo como corpo o que, curiosamente, é apenas o quinto significado conotativo mais utilizado para ‘grupo’. Uma inesperada surpresa foi encontrar o sexto significado do termo sendo utilizado para designar ‘mentira’. Porém, ao nosso ver, a questão principal é que não houve em momento algum uma discussão como por exemplo ‘o que é um grupo pra você?’ ou ‘o que você espera desse grupo’, porque praticamente sempre habitamos espaço carregado de atravessamentos institucionais dentro da UFRJ, o que significa dizer que algo como um grupo, que sempre teve o significado institucional pressuposto neste ambiente, deveria necessariamente ser também resignificado, uma vez que se propunha algo nunca visto antes no Instituto de Psicologia, e que este trabalho deveria ser assumido por um grupo/corpo.

    PEDRO, NÃO SEJA UMA PEDRA DE TIMIDEZ

    Pedro pintou a cara de pedra
    musgo e parasita
    passando a ter dificuldade em
    sustentar o próprio crânio
    com o pescoço
    uma cabeça de 90kg

    a cabeça pesada o trazia pra frente
    então suas costas começaram a doer
    – putaqueopariu, pensou Pedro,
    estou com dor nas costas

    titubeou para frente
    cambaleou para trás
    e visto a impossibilidade de manter-se
    de pé
    permitiu-se,
    culminando em uma cambalhota ridícula.
    assim, Pedro pedra ridículo I passou a lo-
    comover-se.

    o sindicato, então, interviu.
    – Pedro pedra, isso não é jeito de andar,
    isso daí é ciganagem.
    as crianças não podem te ver,
    e os velhos não vão te suportar.

    Pedro padrão, subitamente desperto para
    a sua posição de elemento constituinte no todo maior sindical,
    tentou acender a fogueira empapada à querosene
    com a ponta de seu cigarro de palha,
    inutilmente porém.
    Inclinado ao desespero pelas circunstâncias adversas, lágrimas brotaram-lhe nos
    olhos, escorrendo até a boca e depois a barba. O medo possuiu-lhe e então lembrou-se de sua avó querida.
    Uma chance em sessenta e três bilhões, lembrou-se do documentário que passou
    na tv. Uma centelha surgia, e a fogueira incandesceu subitamente.
    Combustão espontânea significa milhares de insetos desfalecidos.
    Acreditamos que a ideia de corpo é essencial para pensarmos em células micropolíticas e na integração sistêmica dos corpos que constituem este corpo/grupo, pensando em consequências naturais de relacionamento organoléptico real, esta entendida como propriedade dos corpos aptos a causar uma impressão nos sentidos. Acreditamos que pensar em um corpo possibilita existir uma relação que extrapola as lógicas mecânicas das ações instituidas, possibilitando toda uma abertura ao devir e à interação interpessoal. Além disso, nos possibilita uma reapropriação do tempo/espaço em que a pessoa está inserida, necessariamente pela integração dos sentidos que atravessam como forte vetor e que nos remetem a um funcionamento orgânico, o que usualmente é mal considerado nos meios verborrágico-descritivos que a academia vitupera.
    A noção de corpo quando relacionada à de órgãos, leva à prefiguração de um Organismo, o qual pressupõe Organização, no sentido de uma Unidade funcional. Enquanto conceito remonta ao Organon aristotélico. Sem dúvida um dos conceitos mais enraizados em nossas mentes e coexiste com um conjunto de outros conceitos também cristalizados e que permeiam e orientam nossas falas: Unidade, Identidade, Totalidade, Ordem, Hierarquia, entre outros, e isso, sob a égide da lógica binária e do modelo arborescente de pensar, de relação causa/efeito, evolução linear. Este texto procurará sair da conceituação pertinente ao “mundo da representação” enquanto percepção macro (molar) e enveredar por outro caminho, ou seja, um entendimento micro, molecular, das práticas urbanas, pretendendo esboçar, na limitação do espaço disponível, que a cidade, enquanto processo de um conjunto de experiências, constrói seu “Corpo sem órgãos”.

    DUREZA

    Você até tem boa dicção, mas daí a dizer que é atriz… acho um pouco demais. E ainda mais humor, Cremilda… Fazer humor? Você facilmente poderia estar trabalhando em um banco!
    Você , Cremilda, é daquelas que poderiam ser, que poderiam ter feito alguma coisa. Mas não foi, e não será, simplesmente porquê não aconteceu. Não existe razão,lógica ou explicação. Cremilda, essa é a vida.
    Se f: [a,b] -> R contínua, e mE[f(a), f(b)], existe um c e [a,b], tal que f(a) = m.
    Cremilda, aprenda a matemática a vera, pois o banco lhe espera. Logo, se f: [a,b] – > R Cremilda tem razão a e lógica b, e em E[f (a), f (b)] persiste um cú de atriz… Tal que f(cc) = Martha.
    Martha é a sua gerente Cremilda, e seu lugar agora é no caixa 4, onde você passará as próximas 40 horas das suas 52 semanas de seus próximos 40 anos de vida profissional. Sentada.
    Cremilda deu um pinote pra trás, como se tivesse lembrado de um momento humilhante semelhante, apesar de jamais , nesta vida, ter passado por algo parecido.

    Disse:
    – Não!

    A calcinha na cabeça. A chuva lá fora em nada inibiu sua corridinha.

    Conclusão: IPUB!

    Foi ser feliz no IPUB.

    Lou(cura).

    que porra de final é esse?

    é duro fio, é duro..

    e aonde vai parar?

    pra onde vai a partir disso?

    vamos terminar na lou(cura)?

    estamos condenados a isso?

    só espero que nao tenha parênteses..

  17. Diário de Ressonâncias

    Optei por fazer a disciplina de Práticas Autogestionárias por motivos não muito claros e específicos. Sempre me interessei pelo movimento de cooperativas, entendo-o como uma via potente de trabalho colaborativo, que preza pela implicação dos componentes desse coletivo, existindo como uma via de resistência a opressão dos modelos de gestão no contemporâneo. Outro motivo foi a proposta, em que professor e aluno participariam participar de maneira horizontal, fenômeno raro dentro da dinâmica acadêmica.
    Com o início, a convivência com pessoas de outros espaços, muitas delas com vivências em coletivos de resistência, deu uma dinâmica diferente comparado as experiência que tinha tido até então na minha graduação. A apropriação que essas pessoas traziam, muito em função da sua aproximação de experiências, deu a análise conceitual dos textos um teor mais aproximado com uma prática.
    Com o transcorrer das aulas, me vi em alguns momentos pouco implicado no processo da disciplina, tanto é que cheguei a não ir em 3 aulas seguidas. Poderia ficar aqui analisando os “porquês”, mas sendo direto, a estrutura da disciplina estava me incomodando. A incessante discussão de pontos, colocada por diferentes posições e pouco consencual foi me deixando de “saco-cheio”. Me vejo constantemente reproduzindo coisas das quais crítico. É claro que essa discussão detalhada só existe porque ali existia um espaço de voz para todos, lugar esse tão suprimido no nosso cotidiano. Percebi que minha resistência naquele espaço era muito produto desse contexto contemporâneo do qual me insiro. Não que isso me fosse novidade, conceitualmente eu tenho essa noção, porém, no encontro com o real da situação, a ausência de síntese e objetividade nas discussões me geraram extremo íncomôdo em alguns momentos.
    Passada essa boa crise, reconheci pra mim mesmo que estar na disciplina seria um exercício de confrontamento com esse incômodo. Suspendendo uma noção de lugar a se chegar, busquei ser mais presente nas aulas. Analisando agora, acho que não fui muito bem sucedido nisso, mas partindo da ideia de que o lugar a se chegar é o próprio caminho, fico bem com esse desdobramento. Essa noção de suspender a necessidade de se ter uma meta ou qualquer coisa que se aproximasse dessa ideia, me foi bastante tranquilizante. Pensando na análise institucional, os atravessamentos ocorrerão se de fato me atravessaram, do contrário, é o modo que consegui me relacionar com a disciplina, que não deixou de ser um encontro com o novo, que nunca é fácil.
    Retornando a dinâmica da disciplina, vi muita riqueza nas visitas das pessoas externas que vinham falar das suas experiência em coletivos. Não querendo secundarizar os conceitos, até porque não os domino em grande parte, mas o contato com a fala do real da vivência, trouxe-me uma presentificação de toda aquela discussão, me percebendo nessas situações muito mais implicado.
    Outro ponto que retive das aulas foi a noção de conflito. A patir das discussões do andamento da aula a partir do acontecimento de confrontamentos de opiniões, percebi o quanto isso é potente. A partir dessa situação, a própria dinâmica da aula ganhou vida. Me considero uma pessoa muito cuidadosa nas palavras, o que não vejo como defeito, mas sei o quanto isso me é incômodo em muitos momentos. A diplomacia na vida tira o tempero da mesma, nessa busca de uma homeostase, a vida torna-se chata. Percebo, lógico que ainda numa dimensão muito mais racionail do que prática, a importância de se chegar a esse lugar, pois a energia do conflito é capaz de resignificar estruturas doentias, seja no nível micro-individual, como no macro-político.
    Por fim, reconheço que a experiência da disciplina foi rica. O simples fato de ver quem faça coisas para além do comum, já fez dessa experiência algo valoroso, possibilitando um pouquinho um sonhar nesse horizonte tantas vezes nebuloso.

  18. O meu contato com a ideia dessa disciplina veio logo que eu entrei na universidade. Foi quase mágico, eu fui parte de um grêmio autogerido, estava em um curso com um centro acadêmico autogerido e agora teria uma aula autogerida sobre autogestão. Eu não esperava aprender o que é a autogestão, mas eu esperava prender sobre ela, especialmente fora dos espaços nos quais já a tinha experenciado, como ela se deu historicamente e como ela se da em diferentes espaços.
    O processo de construção da disciplina foi muito empolgante para mim, foi confuso como a maioria dos processos decisórios, ainda mais os que envolvem alguma burocracia, mas as pessoas envolvidas estavam animadas e todo o processo parecia lindo para mim. A parte mais complicada que eu via era o de não saber o que cada um que iria participar da disciplina iria trazer, idealizar o cronograma de aulas pensando em tantas possibilidades de ele dar errado.
    As aulas começaram como algo muito confuso, o processo de decisões foi, inicialmente, muito mais complicado do que eu havia imaginado. Cada um troce uma expectativa diferente e esse momento inicial colocou-as um pouco em choque, foi um momento no qual, por mais que houvesse uma vontade geral de incluir todas as ideias trazidas, algumas coisas foram deixadas de lado.
    As aulas praticas me tocaram muito durante o processo. Foi aquilo que eu busquei na disciplina, descobrir novas formas dessa pratica, como ela se da em diferentes ambientes e sob diferentes perspectivas. Eu me identifiquei muito com o desejo de fazer esse processo acontecer,da forma como ele se da, sem moldes ou formas, um processo construído sempre em conjunto pelas partes que o formam.
    As questões levantadas pelas narrativas acabaram me ajudando a entender mais o que eu entendia por autogestão, como eu me colocava nesse processo, e também a rever o que esta acontecendo com o centro acadêmico. Ouvir outras experiências nesse espaço foi essencial para que eu entendesse a minha frustração com o espaço que eu estava ocupando.
    A experiência da aula corporal foi uma coisa linda que surgiu de um conflito, uma experiência que veio de uma demanda do grupo, feita em grupo e para o grupo, e só depois que ela se deu que eu senti falta de uma maior conexão com as pessoas que participavam da aula (fora o GT bar). Eu também senti falta de mais conflito, as vezes parecia que se mantinha uma linearidade desnecessária durante as aulas, principalmente depois do surgimento das questões de esvaziamento e participação.
    Acho que a proposta da disciplina de ser uma espaço autogestionado para discutir autogestão se realizou, independentemente do esvaziamento, que param mim não é uma questão tão importante, e acho que tão importante quanto as coisas que deram certo na disciplina foram as que não deram, por que elas serviram tanto quanto, se não mais, como mecanismo aprendizagem e de conhecimento da autogestão.
    Adorei participar da matéria com vocês esse período e espero que nossos planos de dar continuidade a disciplina deem certo!

  19. Isto não foi escrito por um esquizofrênico, ao menos não diagnosticado. Bem, em minha cabeça sempre que penso um modelo político/econômico, uma melhor forma de “””“gerir””””” os recursos/pessoas e etc. acabo caindo na armadilha da totalização. Sempre quero pensar um sistema político que seja comum à todos, onde não se opere da forma que funcionavam os regimes totalitários que conhecemos na história , mas pelo contrário, todos se expressem, se escutem, não haja repressão e minorias abandonadas a sua própria sorte (romantismo). Antes de iniciar o curso de Práticas Autogestionárias pensava que o conceito de autogestão poderia responder a esses anseios. Como um horizonte de chegada, que se alcançado, funcionaria respeitando todas essas premissas. Sei que somente na prática poderia confirmar isso, mas ao menos teoricamente (ao final do curso) estaria seguro que a autogestão seria capaz de conduzir a esse projeto de política?
    Uma coisa que percebi logo de cara, que poderia ser óbvia para alguns (mas não era para mim), é que a “revolução” não significa o fim do processo. Depois que se chegasse à conquista do modelo autogestionado, seria necessário estabelecer-se um conjunto de práticas contínuas operadas no cotidiano. Mais do que “operadas” essas práticas devem ser VIVIDAS, ou seja, a autogestão não pode ser pensada como um apêndice de nossas vidas, mas nossas vidas devem ser de tal forma que colaborem na construção desse projeto. Penso que as experiências tanto da Lurdinha quanto a do filme “da província mexicana”, mostraram o quanto nossos corpos devem estar implicados no exercício da autogestão. Greve de fome, caminhar por dias, comer mal, apanhar da policia e tantos outros fatos corroboram com essa exigência da autogestão. Implicar nossos corpos e não só nossas “mentes”.
    A proposta da disciplina era “praticar a autogestão” na elaboração e construção de um curso acadêmico, com esta temática. Muitas foram as queixas e sentidos produzidos a partir de uma ideia de insucesso e etc. Fiquei pensando nessa exigência que o exercício da autogestão parece pressupor, que seria de consumirmos nossas energias em prol de sua causa. As quatro horas semanais em sala (sei que o curso começou bem antes e não era só isso, mas…) não seriam pouco para suprir esse desejo de construir algo grande. Acho que posso estar tendendo a totalizar mais uma vez, mas as práticas, ditas (ou por nós chamadas), autogestionárias me pareceram não pedir somente as mentes. Mas como implicar os corpos nesse intento de autogestão? Será que estou exterminando a existência de uma prática autogerida em uma instância especifica? Por exemplo, um CA? É, acho que meu instinto totalizante quer sempre transformar e tornar isso numa ação política que congregue à todos. Me desculpem, mas pensar em autogestão me remonta algo grande, algo novo no contexto que vivemos tão hierarquizado e de uma política tão unilateral (só o vetor econômico que importa).
    Nesse curso entendi porque a democracia representativa é tão “brilhante”, afinal, como possibilitar milhões à falar, escutar, discutir e decidir sem que o mundo acabe antes… Não sei porque essa frase entrou, mas é o que tava ressoando aqui!
    Acho que tenho que enxergar autogestão como um instrumento produtor de levantes. Tenho que tirar do horizonte a noção de revolução para não cair num imaginário inalcançável e perceber que é um caminho que se faz caminhando, como já sugeriram ao inicio.
    Ainda sobre corpos e horizontalidade na fala, na aula que teve uma “intervenção artística” vivenciei ao final da intervenção uma total liberdade de fala. Como se pudesse falar qualquer coisa sem algum problema. De fato a interação entre todos serviu como dispositivo para “quebrar gelo” e possibilitar uma fala livre.
    Como ““““gerar”””” implicação de todos na autogestão? Me abstenho!
    É necessário construir um “comum” (que sirva de guia), mas não deve ser incomum questioná-lo e transformá-lo! Também essa ideia está em constante análise e pode ser transformada…
    “…navegar é preciso…”

  20. Me autoavaliando, pra começar: passei a maior parte do tempo nas aulas como ‘ouvinte’, desimplicada. Escutando, anotando, pensando, pouco falando… Quase um consumo: pagar com minhas horas pra ver se recebia algo. Não precisava dos créditos, estive na matéria por interesse, mas não tive energia pra me envolver como entendo que a matéria demandava. Não gostei da minha posição, mas assumi que era o que dava no momento e resolvi não abandonar o barco por isso.

    No final, minha experiência meio isolada e fragmentada deixou (provavelmente assim como pra muitos outros) fragmentos de questões.

    Serviu exatamente pra refletir sobre como essa fragmentação com o qual estamos acostumados é pouco potente.

    Não que a disciplina tenha sido pouco potente. Em grande parte digo isso pela minha colocação nela, mas em certa parte também pela nossa forma mesmo de estar no mundo e organizar qualquer tipo de coisa em grupo. A gente pode não dormir num canto como faz em outras aulas, mas é como se de certa maneira a gente estivesse sempre meio dormindo. Organizando pensamentos que nos levem a confirmar aquilo que já pensamos… Aquilo que grupo pensa… Fugindo de palavras que pareçam estranhas naquele contexto… Acho que talvez tenham faltado questões a servirem de direção… Tínhamos questões? Não sei, pois faltei as primeiras aulas.

    ———————-

    ‘Un poquito de tanta verdad’ – me fez ver que quando se sente na pele, sem anestésicos, uma grande injustiça, surge a sensação de não há outra opção que não se unir e lutar, resistir, com nossa vitalidade.

    É incrível ver como a rádio é um instrumento simples que une de formas que hoje são tão raras… Me faz pensar como a voz é tão diferente da escrita, dos nossos facebook de hoje…
    Como nossas discussões na página do facebook do IP são acaloradas e nas salas de aula cheias de constrangimentos e bloqueios… Quando a coisa parece que vai pegar fogo, alguém sai da sala e fala mal do outro baixinho… A voz, o corpo, são as formas que temos de nos colocar no mundo… Eles refletem isso, são a expressão viva dessa forma… No mundo em que vivemos cabeça e corpo, teoria e prática, são dois mundos distantes… E nossa aula (disciplina!) serviu pra dar um passo nessa direção… Um passo bem tímido, digamos, mas se não nos movimentamos não sentimos as correntes que nos amarram, né?
    (Principalmente na aula de corpo/arte).

    E esse abismo que vivemos dentro de nós não é o mesmo dos grupos?
    Como superar o abismo de isolamento em que vivemos e toparmos os desafios da convivência em prol de um objetivo comum?

    Grupos grandes? Grupos pequenos? Círculos de debate? Assembléias semanais?

    Me parece que a fórmula racional sempre vai ser acinzentada, a realidade vai sempre além…

    Pude ver isso com Lurdinha: o envolvimento, o compromisso, dedicação, o extremo pé no chão. A injustiça que ela sofre tem presença tão clara, óbvia, concreta em sua vida que a resposta é muito natural, assim como das pessoas que se unem à ela.

    O papel da liderança ainda é nebuloso pra mim (pra todos?). Quando o moço da ecovila falou do pássaro que toma vento na frente dos outros, e depois se reveza, ficou uma pulga atrás da orelha de alguns. Alguém deveria tomar a porrada toda de uma vez? Realmente não sei responder, talvez seja uma estratégia.
    Mas não tenho como não pensar em ‘Psicologia de Massas do Facismo’ de Reich, que defende que nossa impotência, nossos bloqueios, herdados de milênios de cultura repressora, faz com que ansiemos profundamente (desesperadamente!) por um grande pai que tome as rédeas, nos diga o que devemos fazer, e tome toda o compromisso, toda a responsabilidade… Como quando na escola pedimos pra ter prova, e não autoavaliação, pois é mais justo…

    Acho que a consciência dessa tendência e o exercício da direção contrária é o que buscamos… Mas vejo que existe sempre o perigo de se cair no ‘cada um por si’, na desconfiança generalizada a qualquer coletivo que não permita a flexibilidade infinita, adequando-se aos gostos, desejos e vontades de cada indivíduo. Unir-se em um coletivo não é sempre abrir mão de algo, por menor que seja? Fica mais essa questão.

  21. Começo pedindo desculpas pela minha indisponibilidade em querer ficar aqui falando do curso mais uma vez, dizendo o que foi para mim, avaliando o que aconteceu ou deixou de acontecer e sugerindo aberturas para o porvir. Nesse momento, como na última aula, prefiro falar da arte dos encontros que se tornaram possíveis, dos encontros alegres que este curso fez reverberar em mim e ressoa nos ouvidos, na pele, nos ossos, nos pensamentos… Sou composta por essa tal psicologia política, ou psicologia social-institucional, que atravessa minha prática e conduz meus percalços e passos desde que me encontrei com as disciplinas na graduação que possibilitavam discutir o mundo em que vivemos. Comecei a estudar psicologia social pensando a noção de liberdade no marxismo, no anarquismo e no liberalismo. Estar em contato novamente com essas questões me provocou vontades nostálgicas de revirar as pastas da graduação e buscar anotações, rabiscos e artigos sobre anarquismo. O que fiz, silenciosamente. Não à toa, na época, apresentei o trabalho da disciplina sobre uma experiência de universidade popular no Brasil, organizada por anarquistas. O encontro com essa psicologia, ou seja, com leituras de autores que falavam da filosofia da diferença, da história como estratégia e da atuação no âmbito institucional, começaram a me atravessar e compor minha vida, para além do estudo da psicologia. Esse contágio inundou minhas práticas nos diversos espaços onde estou ou estive. No entanto, distante um bocado das salas de aula, afim de retomar algumas leituras e inflamada pelas manifestações de junho, o curso veio agregar uma série de planos, desejos e alianças. Desde o cineclube à vontade de ler sobre anarquismo e marxismo, das discussões quentes aos devaneios no bar (trocas sobre bicicletas, sobre ocupar a cidade, sobre a padaria autogestionária em Paquetá…), dos novos parceiros ao reencontro com os antigos, e por aí vai… Se poderíamos ter repensado os textos ou nos proposto a executar as aulas de maneira diferenciada? Não tenho dúvida. Que um curso nunca vai contemplar a todos porque somos diferentes? Também há o que questionar. Que os pressupostos que carregamos são muito difíceis de serem desmontados? Digam-me sobre as várias discussões sobre o que era autogestão.

    Penso no que ficou, no que vai reverberar, no que vou carregar: bons encontros – com a autogestão em sala de aula, com as experiências trazidas por quem vem experimentando a autogestão das mais variadas formas, com os alunos da graduação, com os professores, com os agregados (vulgo extensionistas), com a Universidade, com os filmes e debates provenientes deles, com as cervejas, com os textos, com pensamentos que já não lembrava e com novos pensamentos. Potentes encontros, de certo. Me sinto habitada por uma por vontade de diferir e de encontrar espaços que possam fazer-nos experimentar ser outros (por menorzinha que seja essa diferença). O curso-encontro sobre práticas autogestionárias me provocou. Os desdobramentos ainda reverberam…

    “E na lei natural dos encontros
    Eu deixo e recebo um tanto”
    Novos Baianos

  22. Quantos caracteres eu uso pra exprimir o que ressoou? Mais que as tantas páginas digitadas ou rabiscadas, tem um bocado de pensamentos e sensações que ainda não aterrisaram. Mas disso tudo, guardado para germinar, algo tem que brotar.
    Criticar o liberalismo (com ou sem prefixo) já era lugar comum pra mim, desde as leituras da participação social em conselhos gestores. Mas eis que o tal do Benjamim me surpreende: abaixo o o Estado opressor das liberdades individuais! Ah, mas pera, liberdade aqui se traduz em representação. Até que não discordo desse modelo, mas há que se ter claro suas vantagens e limites. A representação política pode até oferecer mais tempo para dedicar aos interesses privados, mas alimenta o comodismo clientelista, potencializado pela exploração da força de trabalho através da criação de necessidades de consumo. E o que resta para o trabalhador assalariado da zona oeste do Rio de Janeiro? Se embolar no emaranhado retroalimentado da condição oprimida: o que mais precisa, menos tempo-espaço tem pra exercer o controle social, essa tal suposta solução da democracia seletiva- opa- quer dizer, representativa.
    Mas se não é isso que está, então o que é que será? Trocamos ideias sobre inspirações teóricas e empíricas e quebramos a cabeça pensando o que seria esse outro caminho possível. O que é e como se faz autogestão? Tentar definir pode ser um contrasenso com a autêntica implicação dos sujeitos nos processos decisórios coletivos, impondo um limite exógeno a processos orgânicos. Apesar de que, o limite pode ser produtivo. Talvez isso falte: deixar de lado o medo do limite e reconhecer o que ele potencializa.
    Do que ficou pra mim, além de princípios fundamentais como o interesse coletivo, o diálogo e a horizontalidade, a autogestão se funda em uma ética da heterogeneidade, uma política da diferença. Com todas as especificidades do contexto onde ela brota, das condições que se combinam pra possibilitar experiências nesse sentido, o que há de semelhante é o encontro de interesses pessoais divergentes para se operar interesses coletivos comuns, norteado pela não homogeneização. E aí os processos autogestionários não são um fim em si mesmos, mas processos que visam contribuir para a formação de sujeitos protagonistas dos próprios atos. A criação de espaços autogestionários é um caminho para o desenvolvimento da consciência crítica – a semeadura de novos tempos. Há quem diga que transformação se faz no aqui e agora, com ações imediatas e combativas, e que não há tempo para semear a revolução. Ainda bem que valorizar a heterogeneidade significa também reconhecer os diferentes caminhos complementares para se alcançar um mesmo fim.
    Mas se coloca uma questão entre ruptura ou continuidade entre o velho e o novo modo de sociabilidade que faz pensar: como a autogestão deve se colocar diante de um processo hierarquizado? Como interagir com o modelo consolidado, alcançando os objetivos de transformação sem ter que abrir mão do processo diferenciado? Talvez a demanda por agilidade e eficiência seja apenas mais um produto da sociedade empreendedora, que precisa gerar resultados mensuráveis. Os resultados da autogestão são o próprio processo. Sem negar o valor de conquistas palpáveis, tarta-se de reconhecer que elas são pontuais e só se sustentam com a transformação da subjetividade em torno dos processos decisórios, da vida em comum.
    Encontra-se aqui um laço entra a autogestão e a psicologia: a necessidade de se preparar o sujeito para a autogestão. Será que é a isso que a psicologia se presta? Preparar o sujeito para uma determinada prática tangencia a culpabilização do individuo, focada no aumento da produtividade individual, em vez de se prestar a uma análise do contexto. Para além de formar sujeitos aptos à autogestão, é necessário estimular que os sujeitos tenham uma crítica sobre seu contexto. Há que se fazer uma psicologia menos afeita à transformação do sujeito para a sociedade, e mais diposta a contribuir para a formação de um sujeito mais ciente dos meandros de funcionamento da sociedade. Me parece justo se reformulamos: um sujeito com percepção ampliada sobre as múltiplas determinações da realidade, retirando inerências individuais do foco do argumento e abarcando fatores como o sistema de propriedade privada. Há que se investir sim em formar sujeitos mais preparados para as práticas autogetionárias. Mais preparados com uma visão mais abrangente do mundo social, apostando que isso crie um sentimento de unidade que nos permita investir na escuta das múltiplas vozes que compõem a sociedade. Uma escuta que tem o papel de empoderar, ou desestabilizar as hierarquias que se impõem a fim de reequilibrar a rede de forças que se tece, dando espaço para vozes divergentes e reafirmando a heterogeneidade do social.
    Mas o medo do especialismo não deve congelar a ação. Assim como o limite, a técnica, a especialidade e até a hierarquia podem ser funcionais. Das táticas de enfrentamento em manifestações, passando pelas regras de convivência em ocupações até os modos de tomada de decisão (e diga-se de passagem, também a metodologia de aulas), pensar como desenhamos nossas relações sociais permite reinventar velhas práticas, operando sua forma em um sentido inovador.

  23. (tentei publicar e não consegui, acho.. se for duas vezes, perdão)
    Ressonâncias autogestadas (Clara Camatta)
    “Trabalho arduamente para fazer o que é desnecessário
    O que presta não tem confirmação,
    O que não presta, tem”
    (Manoel de Barros, Livro sobre Nada)

    Primeiro dia do curso, cheguei atrasada. Atravesso o corredor em direção a sala aos saltos, a excitação me consome, o olho brilha e o sorriso não se contém. “Está mesmo acontecendo? Saiu do papel!”. Entro na sala e quase os 90 inscritos estão ali. Um turbilhão de pensamentos e sentimentos se mistura: “Será que vão todos continuar? Será que vamos reformular tudo? Será que vai funcionar? Será que a gente vai se ouvir?”. Assustador e desafiante.
    A turma estava dividida em grupos para discutir o programa proposto, entro em um deles, ainda muito agitada e vejo que falávamos de muitas coisas, especialmente sobre as manifestações e a EBSERH, mas discutíamos pouco o programa. Em alguns momentos, interrompia a discussão pedindo que fossemos mais objetivos, pois o tempo era curto. Me senti a chata, o reloginho que interrompe os fluxos que se inauguram e os atropela. Ao fim, conseguimos pensar o programa e toda uma folha de caderno estava abarrotada de idéias e sugestões. Lembro de na hora ter pensado sobre como o processo grupal é rico e como ficamos engessados em determinados idéia e circuitos as vezes: em tão pouco tempo surgiram inúmeras idéias que não haviam aparecido em várias reuniões anteriores de elaboração da proposta do cronograma.
    Quando abrimos para a turma toda, nossa grande dificuldade logo se apresentou: como sintetizar e discutir todas as idéias em um tempo escasso? Não se tratava mais de alguém falando sobre o tempo da atividade, mas da demanda institucional de que encerrássemos a aula para que a sala fosse utilizada por outra turma. Como deliberar sem sentir que a discussão se esgotou? Como discutir sem fazer com que todas as aulas fossem para pensar o curso e pudéssemos não só pensá-lo, mas vivê-lo? (não que pensar sobre ele não fosse em alguma medida, também, vivê-lo). Pensamos em GTs que se reuniriam na hora final de cada aula para pensar os próximos encontros, uma tática que se mostrou ineficaz. A autogestão demanda maior implicação, mais energia para estar ali e, no final dos encontros estávamos todos exaustos e com uma pressa de ir embora, tornando as discussões dos GTs rápidas e esvaziadas.
    Nas aulas que se seguiram, vimos o já esperado, porém não desejado, esvaziamento do curso. As aulas de discussão sobre autogestão, disparador para a disciplina, se iniciaram. Acreditei que agora teria as respostas para os conflitos que vivia em outros espaços autogestados, como o CA e, enfim, conseguiríamos estabelecer um parâmetro fixo para o que é autogestão, uma fórmula para o seu funcionamento. Doce ilusão. As discussões eram sempre muito teóricas, distantes de uma prática e sem conflitos. Todos concordavam e eu só me lembrava de Nelson Rodrigues que diz: “toda unanimidade é burra”.
    Líamos que autogestão era uma forma de gestão horizontal, onde todos são protagonistas das decisões e que a defesa de ideais fascistas não cabia nesta forma de gestão que é uma escolha política e não meramente organizativa. Entretanto, as minhas dúvidas permaneciam (e acho que ainda permanecem): tudo precisa ser decidido por consenso? Por que sempre as mesmas vozes soam? Será o consenso unânime?
    Em paralelo a isso, no CA vivíamos um momento de reformulação e grandes questionamentos, com a participação de pessoas que não se viam cabendo naquele espaço e, por isso mesmo, resolveram ocupá-lo. Ocupação que, para mim, foi a maior opção autogestionada, que nos forçou, enquanto coletivo, a problematizar a nossa forma de organização, especialmente por estarmos em um espaço representativo. Ocupação que me angustiou e somou-se à mesmice que se tornaram as aulas teóricas de autogestão, me levando a uma completa falta de tesão pelas quintas-feiras a tarde. Debandei do CA e passei a freqüentar uma ou outra reunião apenas, enquanto insistia no curso de práticas autogestionárias. Insistência que me levou a conhecer outras experiências de autogestão e à constatação mais incrível: nenhuma era igual a outra. Havia versões mais autoritárias, versões seletivas dos seus participantes, versões militantes, versões cotidianas. Sinestesias (ver sons), misturas, possibilidades mil. Desconstruí nestas vivências-narrativas a idéia de uma fórmula para a autogestão. Hoje, ela me parece ser mais uma vontade política, uma escolha ética de viver os espaços coletivos, de ser eu e ser o outro.
    “em mim
    eu vejo o outro
    e outro
    e outro
    enfim dezenas
    trens passando
    vagões cheios de gente
    centenas

    o outro
    que há em mim
    é você
    você
    e você

    assim como
    eu estou em você
    eu estou nele
    em nós
    e só quando
    estamos em nós
    estamos em paz
    mesmo que estejamos a sós” (Paulo Leminski – Contranarciso)
    Nas primeiras assembléias que tivemos para repensar o percurso que estávamos trilhando o silêncio se fez presente. Minha sensação era de que havia um incômodo geral, mas que não sabíamos nomear e fomos tentando tateá-lo, sem nunca chegar ao ponto principal, até que em uma determinada assembléia, a discórdia substituiu o silêncio e os afetos se colocaram. E dos afetos pronunciados surgiu uma aula de arte imprevista. Dinâmica, toque, entrar em contato com o outro. Era o que faltava durante o curso, o espaço de ser íntimo para ser diferente. E, daí, me veio um grande aprendizado: na autogestão, é preciso se conhecer e conhecer o outro, não se sustenta ficar só no espaço da discussão.
    Tudo isso me fez pensar no CA, no meu estágio – onde as reuniões supostamente horizontais são verticalizadas – e nas minhas relações pessoais, ressoa para a minha vivência cotidiana o me permitir viver o encontro. Acho que não é a toa que autogestão, especialmente sua versão autogestada, me lembra de gestação. Esse curso surge de um embrião, uma idéia sobre uma disciplina que ganha forma, cresce, se desenvolve e, após alguns meses é parida em uma quinta-feira qualquer. A gestação enfim se encerra e o encontro dos corpos se estabelece olho no olho. Encontro que é e foi a grande produção desse curso pra mim. Encontro de teorias, idéias, angústias, corpos. Encontros fáceis e encontros difíceis. Encontros que foram, são e serão trocas.
    “Mas as coisas findas,
    muito mais que lindas,
    essas ficarão.”
    (Carlos Drummond de Andrade – Memória)
    Carinhosamente e saudosamente,
    Clara Camatta

  24. Galera,

    sem zoera… eu amo vocês… espero encontra-los em muitos outros encontros, de preferencia fora da sala de aula. Respirando juntos o gas lacrimogênio de cada dia, na luta por uma vida outra, de afetos alegres e de autonomia. Foi uma experiência marcante pensar e tentar experimentar relações de uma outra forma, sob outros modelos que não da competição capitalista de querer cada um comer o rabo um do outro, ou de simplesmente se preocupar unicamente com o seu rabo. A experiência da aula me fez novamente acreditar que podemos estabelecer redes que vão dar consistência para esse outro mundo que vislumbramos. Apesar de ainda ser algo embrionario me fez acreditar ainda mais no amor como fundamento de um outro modo de nos organizarmos e produzirmos o mundo em que vivemos. Definitivamente temos muito a aprende uns com os outros, e principalmente a experimentar esse novo mundo que esta a nossa frente.
    Beijos a todos, machos e fêmeas… contem comigo para viver essa vida louca que nos espra no amanhã. Principalmente o amanhã literal, as 17hs na candelaria…
    Felix Guaranni!

  25. mais um período, que matérias você quer no carrinho? a fila tá andando, passe logo no caixa, não tem pra todo mundo. quem comprar logo ganha um brinde, você não viu o anúncio com pessoas felizes e sorridentes?

    “I’m all lost in the supermarket
    I can no longer shop happily
    I came in here for that special offer
    Guaranteed Personality”
    [the clash – lost in the supermarket]

    a perspectiva de poder criar coletivamente uma matéria parecia completamente fora de sentido. passamos tempos e tempos colocando as caixas no carrinho e pagando o preço no final. nada parecido tinha sido visto nesses cantos. poder criar o produto que se consome… “onde já se viu?”, escutei dizerem no corredor… no entanto, de algo pequeno, a coisa foi crescendo de forma que ninguém esperava: todo mundo queria saber o que seria esse pequeno monstrinho criado – e pode-se dizer que quase ninguém que pensou a ideia inicial achava que isso ia acontecer. o boom de interessados deve ter sido a primeira ressonância coletiva. a coisa cresceu, e foi interessante ver isso. falhas? claro. como não? será que é a primeira vez que, nesse espaço, uma matéria foi criada apenas com um objetivo, de forma a ser reformulada com a discussão coletiva de acordo com os desejos de toda a sala – e com a expectativa de não cair num egoismo de alguém? tarefa árdua. do objetivo de estudar a autogestão autogerindo um curso cada um traz sua perspectiva de estudo, do que fazer com o espaço, etc… seria legal ter feito um diário desde antes e colocar todos os pensamentos perdidos marcando alguns pontos pensados e sentidos ao longo do caminho.

    mas esse não é um diário. esse é um monte de letras escritas porque decidimos coletivamente que teríamos que escrever. o fardo é de uma obrigação. nos comprometemos com algo que sabíamos, talvez, que faríamos desse jeito. posso ver a maioria de nós putos agora mesmo de termos que escrever isso pra terminar o período. todo mundo correndo pra entregar um texto que metade não queria fazer. se um diário é algo que se constrói ao longo, quem de nós o fez e o fará? espero que mais apareçam – pois já vi que alguns apareceram. mas esse é apenas mais um texto. acho que já trouxe muita coisa em sala no momento exato que as ressonâncias aconteceram, e sinto que não tenho muitas palavras. ou talvez ache que essa tarefa perde seu sentido ao adiar nossas ressonâncias para além de um momento de presença, colocando no virtual o momento do encontro. pelo menos aqui cria uma memória menos efêmera, isso pode ser legal. contento-me em falar que as ressonâncias não começaram e nem terminam junto com o curso, uma vez que ele mesmo é ressonância de outros 72362(…)12321 momentos de muitas pessoas juntas. foi um bom encontro. fico feliz que tenha acontecido. deixo aqui algumas questões que podem servir de estudo, que reverberaram na sala de forma significativa pra mim:

    .Como fazer a autogestão “respirar” entre compromisso c/ a assembleia x urgência de decisão em espaços acostumados c/ a representação?

    .A estrada, uma vez construída, é a que leva, mas a mesma que dita o caminho, e o meio se torna apenas empecilho. Autogestão como um processo de experienciar/olhar o território e chegar a um lugar, isto é, sem deixar de ter objetivo, como se “qualquer lugar” fosse de igual interesse. Porém, sem a garantia dos caminhos certos e dados/ditados no mapa. Mapa nunca é = território. Construir nossos próprios mapas, mas sem bitolar os trilhos dos caminhos.

    .Clientelismo/consumismo – em que medida encontramos ligação com a questão da representação nos espaços de decisão?

    .Autogestão não como um conceito puramente abstrato ou lógico (“conjunto sem lider”). → Necessidade de afirmar a autogestão enquanto forma de organização com um objetivo – nada tendo a ver com o oba oba/laissez faire/deixa estar/vale tudo (sentido que muitas pessoas ainda utilizam a palavra. Muitas críticas comuns e rasas possuem esse pré-conceito, as quais surgem afirmando-a como bagunça, tentando justificar a necessidade de liderança – muitas vezes com aquela naturalização: “as coisas são assim” “o ser humano é assim”, etc.

    .Autogestão enquanto ética, afirmação de um posicionamento coletivo. Ligação com questão anterior → autogestão não tendo a ver simplesmente como um “espaço vazio” que sobrou pela “falta”, de representante, de governo, de lider, etc.

    .“sozinho não dava, sozinho era impossível de romper qualquer corrente”.

    .Uma luta anticapitalista também é uma luta por outra relação com o tempo → criar espaços anticapitalistas, criar tempos anticapitalistas → outra velocidade de vida.

    “nem toda organização estruturada é necessariamente hierarquizada e nem toda organização desestruturada é autogestionada.

    PedroL.

  26. Caderno do notas

    Aqui estão reunidas notas que realizei ao longos desses meses de encontros. Pouco modificadas, quis deixá-las como estavam: apontamentos sobre partes do todo. Alguns temas são específicos e acho que merecem mais atenção. Como trabalhei mal com os prazos fornecidos, decidi deixar para depois essas elaborações….

    • Ao se inscrever na matéria, ou preencher o formulário de inscrição,poderíamos todos receber uma carta:
    “Olá caro interessado, você acaba de ganhar um filhx! Nestes seis meses que se seguirão, serás responsável por elx (após também, mas isto não interessa agora). Aqui estão alguns conselhos de como cuidá-lx – que tens liberdade para desconsiderá-los totalmente:
    – a despeito da sua vontade, ou de seu interesse, elx andará sozinho;
    – a despeito de suas intenções, como não se trata de um ser telepático, são suas ações que contam;
    – não é seu, veio para o mundo, logo outras pessoas também serão responsáveis por elx;
    – é aconselhável não depositar muitas expectativas sobre como elx será, agirá, ou pensará…no máximo você pode servir de referência (o segundo item aqui é muito importante);
    – se ausentar do processo de crescimento para depois criticar qualquer atitude, ou postura, não x ajudará muito;
    – sobre o item anterior: culpar o contexto, a dificuldade de comunicação, seu desejo, sua disponibilidade, a abertura…..fala mais sobre você do que do restante. (o ideal seria não haver culpas, ou julgamentos, mas análises de implicações)
    – por fim, é bem possível que você aprenda muito mais do processo, do que elx mesmo…fique atento!
    Esperamos que você tenha uma ótima experiência.

    Nota: este filhx será partilhado por todos os interessados no projeto”

    • que proposta é essa? Não mais buscar nas grades as disciplinas que são oferecidas e quem as ministra, invertendo a lógica: “Ângela, nós gostaríamos de criar uma matéria, convidando vocês professores para construí-la conosco……e seríamos todos responsáveis por ela”.
    • o interesse primordial era lançar a ideia e possibilitar que pessoas interessadas conduzissem coletivamente o projeto. A dinâmica dos encontros e a forma de planejá-los e conduzi-los, os meios de comunicação e divulgação, a amplitude dos convites, todos estes aspectos estavam pautados por este ideal.
    • estudar autogestão não é abordar um conteúdo estabilizado e canônico: o interesse é falar sobre terreno instável, pouco sedimentado. No fundo, diria que se trata de uma pesquisa: propõe-se um tema, mas serão os atores envolvidos e o campo que definirão o caminho; a ideia vem e ela não é sua, pois reconhece seus atravessamentos; o percurso não é seu, pois quem se interessa pelo trajeto também o define; os resultados não são previsíveis, pois as perguntas elaboradas abrem mais caminhos do que encerram.
    • o encontro com os textos e a presença dos convidados trouxe novamente os conceitos de prescrito e real: a autogestão não é um protocolo, uma sistemática de gerenciamento. Poderíamos falar de diretrizes e guias que ao esbarrarem com a realidade, configuram novas práticas e trazem novos impasses. Por isso a sensação de que cada fala experiencial parecia nos levar a outros lugares, outras regras, outros invisíveis.
    • termos como especialização, delegação e responsabilidade precisam ser revistos. Entraram no regime moralista do bem e do mal. A especialização, por exemplo, tanto pode produzir hierarquia e relações assimétricas de poder, como responsabilidade, reconhecimento e cooperação.

    Caderno de controvérsias

    • se omitir dos espaços de deliberação, ou estar neles sem apontar seus invisíveis, para posteriormente denunciá-los ou condená-los, me remete à relação clientelista que observamos na universidade, assim como uma ignorância: ignorar que esta omissão também é um ato político e produtor de práticas.
    • o silêncio e o esvaziamento também não podem ser moralizados: vamos promover participação? Vamos estimular o desejo? Não falar é uma escolha e se desinteressar idem. Se existem vetores que coíbem a participação, ou abafam vozes…a responsabilidade de denunciá-los não está junto de quem os percebe?
    • teoria e prática não são instâncias distintas e puras que podem ser escolhidas. Dê-me um ser que não está inserido em um contexto, que não viva um cotidiano, que não possua interesses, que não seja um corpo e te darei um teórico. Usamos estes termos ora como idealizações (como o conceito de saúde), ora para rotular – pessoas, atos e produtos. Se viermos a escrever sobre nosso panorama atual, fazendo análises e produzindo perspectivas, quando lidos por alguém cem, duzentos, trezentos anos adiante, seremos teóricos?
    • um texto tem tanta potência de afetação quanto uma experiência: não é a natureza do suporte, ou o meio de comunicar que estabelece a potência.

  27. Gente, to com o probleminha com o diário de ressonâncias;
    Fiz o meu em formato de cordel e estou com problemas para digitalizar e transferir para o site!
    Só pra não parecer que não dei as caras, estou tentando resolver esses problemas técnicos e mando ainda hoje tudo (eu espero).

  28. Todo sentimento de gratidão aos companheirxs pelos conhecimentos compartilhados de um tema tão necessário quanto delicado. A autogestão envolve, pois, com-partilhar, co-operar, co-nhecer e respeitar. Faz-se necessário que sua prática atenda a essas premissas. As referências bibliográficas ajudaram a construir e a descontruir o conceito em sala de aula e mostrou a defasagem da literatura anarquista no universo acadêmico. Sugiro que no próximo semestre haja espaço para pesquisar os aspectos autogestionários dos povos Ameríndios. Os Incas, por exemplo, representavam um extenso império sem a utilização de sistema monetário; os Kamayurás, do Xingú, emagreciam todos juntos em períodos de baixa produtividade e engordavam em épocas de fartura, dividindo, além da comida, gigantescas ocas com aproximadamente 600 indivíduos da mesma árvore genealógica. São exemplos de avançados sistemas políticos que podem ser aplicados como sistemas autogestionários.

  29. Me vejo tentando fazer um balanço de tudo que vivemos esse semestre, que começou antes de começar em vários sentidos… desde junho, sinto que compartilhar tudo isso que temos vivido se tornou quase uma necessidade. Penso que por muito tempo – tempo demais – as urgências cotidianas se impuseram sobre os desejos, sobre as revoltas, sobre as utopias… Não havia tempo para pensar em nada além de correr contra o próprio tempo, tão ocupados estávamos em não sermos massacrados nós mesmos por essa grande roda vida, roda morta, roda dentada, que triturava tudo que se metia em seu caminho. Nessa corrida frenética, era cada um por si e ninguém por todos, a mais crua lei da sobrevivência.
    Até que de repente paramos. E percebemos que somos nós mesmos que fazemos a roda girar. Que imbecis somos nós…com a nossa corrida fazemos girar a engrenagem que nos massacra. E então descobrimos que podemos nos recusar a correr, botar o pé na porta, gritar, jogar pedras… até escangalhar a grande máquina de moer carne humana.
    De alguma forma, essa insurgência do desejo coletivo fez com que o tempo, antes tão cronometrado, se dilatasse de um modo inesperado. É como se de repente uma brecha se abrisse onde antes não havia espaço, e nessa suspensão do espaço-tempo, outros mundos possíveis despontassem como promessas de novas realidades a serem construídas por nós mesmos que esgarçávamos essa pequena-grande rachadura.
    Para mim, o curso de práticas autogestionárias é parte de todo esse processo de criação de brechas e investigação de possibilidades para além do que está dado para nós como sociedade, como trabalho, como vida… pra mim, era – e foi – uma grande oportunidade de compartilhar essas experiências/esperanças de produção de suspensões e rachaduras aonde possamos construir outros mundos, outros modos de relação, outras formas de existência… que agora me parecem mais possíveis do que nunca.
    Laura Bloch

  30. Diário – Laura Mumic

    Tem que ser verdadeiro e espontâneo para ser autogerido? Pode ter rivalidade? Quem dá o nome oficial da forma de organização escolhida? Ela existe oficialmente? Principalmente, esse silêncio, será ele o fracasso do nosso entrosamento, a frustração de não ser tão simples ou apenas uma etapa em direção ao que não atingimos ainda?
    Em alguns momentos andávamos, em outros não havia força no laço que nos unia em um “nós”
    Era preciso mais tempo, mais entrega e mais espontaneidade – às vezes
    Em outras parecíamos já ter atingido (o que quer que fosse)
    Precisávamos definir autogestão, tanto no substantivo como no verbo. No fim, acho que atingimos o adjetivo
    Mas havia, também, um ponto importante que singularizava nossa experiência – em geral, vemos autogestões em funções de trabalho, luta e moradia. A nossa, por outro lado, era uma autogestão de ensino. Não sei se vemos muitas por aí
    Uma metaautogestão
    não?
    Há aí, pelo – provável – ineditismo da experiência, um desafio.
    Como??????
    Até que nos saímos bem. Como a Paula falou, se houvesse uma “Práticas Autogestionárias 2”, poderíamos tentar dar conta de tanta coisa que nos fugiu – mas sem nunca chegar a um nível satisfatório de completude da experiência autogestionária de ensino sobre autogestão, que a mim parece mais um tipo de coisa que não termina nunca

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