Diário de Ressonância – Bruno Pizzi

A proposta de avaliação do curso foi a de produção de uma análise de ressonância. Portanto, pretendo fazer uma breve avaliação das minhas expectativas com o curso e algumas repercussões que o processo me causou. Em uma avaliação feita em sala, uma das colegas apontou que, talvez pela pouca coesão do grupo, as discussões não foram muito duras. Sinto-me bastante contemplado por esta ponderação e acho que deve haver muito trabalho para que se conquiste um nível de discussão – e pertencimento grupal – que alie combatividade e edificação. Gostaria que as pessoas que lessem este relato considerassem o esforço de ampliar a discussão num sentido criador, mantendo sempre a cordialidade. E estarei pronto a receber interlocuções.

A avaliação que faço da iniciativa do curso é muitíssimo positiva. Muito bem vinda em função de diversos fatores. Falar de autogestão é, para mim, necessariamente falar de organização social e encaminhar uma discussão a respeito de política. Como estudante da graduação do Instituto de Psicologia entre os anos de 1998 e 2003, noto que alguns professores se dispunham a incluir questões políticas em suas aulas, mas não da forma como estava proposto de saída pelo curso. Temas como marxismo, anarquismo, história de movimentos sociais, geralmente estiveram fora de pauta, assim como uma discussão sobre os autores clássicos, sejam eles liberais, sejam eles socialistas. Nas raras disciplinas em que havia a introdução de temas políticos, esta discussão se dava a partir de autores mais recentes, privilegiadamente os da escola de Frankfurt – Adorno, Horkheimer, Benjamin – ou Foucault e os pós estruturalistas. Nada contra estes autores, acho que eles encaminham uma série de questões importantíssimas para o nosso tempo, mas fundamentalmente não partem de um zero. Partem e se embasam – concordam, contestam, criam e modificam vias de interpretação e ação – em uma discussão a respeito de história, política, economia e sociedade presente em autores que remontam o início da época moderna. Portanto, particularmente, considero que esses autores clássicos – assim como a discussão sobre o modelo de sociedade em que vivemos – devem estar presentes e logo de início achei, e continuo achando, que a iniciativa de pensar a disciplina sobre autogestão pode ser a de gerar um local privilegiado de estudo a respeito disso.
Ao chegar nos encontros preliminares – aqueles dois primeiros encontros antes da disciplina começar – confesso que esperava uma base um pouco mais sólida. Mas como estávamos no início do processo, aqueles dois encontros serviriam para pensar esta base, que seria posteriormente apresentada ao grupo ampliado. Esse grupo faria algumas alterações na base proposta pelo GT de Didática, o que deflagaria o processo pedagógico. Pessoalmente, avalio que este processo inicial não funcionou. Durante os dois encontros iniciais, nós não conseguimos pensar a estrutura das aulas – justificativas, objetivos, linhas argumentativas, bibliografias – para as aulas seguintes. Acabamos nos envolvendo com questões – sob minha ótica retrospectiva – acessórias, como principalmente avaliação. E até elucubrações sobre publicações, etc. Enfim, nosso sentimento ao final dos dois encontros era de que não havíamos produzido o suficiente, mas que a dinâmica grupal poderia desencadear o processo pedagógico.
Pessoalmente acho que isso não aconteceu. Minha avaliação retrospectiva é a de que os professores talvez pudessem ter conduzido de uma forma mais próxima a montagem do programa. Sei que estamos num processo autogestionário e que esse não acompanhamento pode ter sido intencional. A autogestão tem como princípio o apagamento das separações hierárquicas, a supressão das verticalidades. Em contrapartida penso que ao tentar tocar adiante um projeto comum, cada qual deve tentar disponibilizar o que tem de habilidade que condiz com o objetivo final. Acho que nesse sentido, caberia aos professores auxiliar com o conhecimento que tinham em determinados campos ou com sua capacidade de pesquisa em temas em que não havia integrantes do grupo que dominassem. Não digo que isso não tenha acontecido em nenhum momento, mas para as próximas oportunidades esse acompanhamento pode auxiliar na coesão pedagógica do projeto. Acho também que não devíamos excluir a possibilidade de convidar professores de outras unidades da universidade para falar de temas teóricos. Nosso campus é bastante rico professores que poderiam contribuir com os temas que estavam pautados no nosso esboço de programa de aulas. Acho que esta seria uma iniciativa muito bem vinda em termos de integração com outras unidades como Economia, Educação e Serviço Social.
A meu ver, em termos pedagógicos, o que tivemos foi isoladamente algumas iniciativas de montar aulas – que foram muito proveitosas – mas que não podem ser confundidas com um planejamento mais amplo.
Outra iniciativa que também acho que foi muito boa na proposta do curso foi a ideia de discussão sobre as práticas de gestão e autogestão em outros grupos. Mas, assim como nas aulas, acho que houve, na maioria das vezes, um certo embotamento na discussão. Acho que o que tivemos foram algumas ótimas apresentações de movimentos como os do MNLM, do MST, do projeto de habitação coletiva, cujo mérito talvez possa ser atribuído, a meu ver, muito mais à capacidade elocutória e ao nível de envolvimento orgânico dos convidados com as questões. Mas acho que não conseguimos encaminhar a discussão de forma que ela chegasse ao nível de tratar as polêmicas atuais, e fazer surgir os posicionamentos particulares. Um dos encontros em que isso ficou bastante marcado foi o que tivemos como convidados o integrante da FIP e a integrante da Assembleia do Largo. Em minha humilde avaliação, acho que o grupo não propiciou um espaço adequado para a circulação de ideias e a contraposição de propostas de forma que tivéssemos verdadeiramente um fórum de polêmicas edificantes sobre temas candentes. (Quando eu digo ‘o grupo’, claro que também me implico nisso…)
Considero também que pode ter havido uma série de fatores que confluíram objetivamente para a gestação da proposta do curso. Imagino que devem ter contribuído bastante a experiência do grupo de estudantes com a gestão do Centro Acadêmico – e os estudos que devem ter advindo daí -, assim como o momento de explicitação da turbulência social pela qual passamos desde junho. A questão “O que fazer?” parece estar à flor da pele dos que tem participado mais ativamente.
Sobre a questão da autogestão do CA, gostaria de fazer algumas considerações, sempre em tom cordial… Ao que me parece – por favor, corrijam-me se eu estiver errado! – a iniciativa de promover a autogestão é uma tentativa de ampliar a participação dos alunos nessa instância e parece vir no contexto da saturação de uma certa forma de condução do movimento estudantil – ou dos movimentos sociais se virmos de forma ampliada. Esta forma saturada é a de aparelhamento dos movimentos por instâncias – partidos políticos e sindicatos, principalmente – que agem por verticalizar e inviabilizar a participação ampliada, dando mostras de que “são sempre os mesmos” que ocupam as tribunas e transformam os locais de reivindicação social em espaços de usufruto privado de poder, desde o nível micro até o nível macro.
Não tenho qualquer pretensão de dar solução a essa questão tão premente nos dias de hoje, mas quero apontar algo. Acho que devemos pautar, em caráter de urgência, as contradições das formas “tradicionais” de participação. Acho que esse é um dos motivo que me trouxeram ao envolvimento com esta autogestão. Já participei de fóruns hegemonizados desta forma e acho extremamente danoso à mobilização popular e ao avanço da consciência de classe algumas coisas que acontecem. No entanto, muito da luta que se empreende – tanto na universidade quanto na sociedade ampliada – é feita por pessoas que participam dessas organizações ditas tradicionais. Quando estas pessoas transitam da organização partidária ou sindical aos fóruns circunscritos, elas carregam algo que, pessoalmente, considero essencial para a luta social em qualquer instância: um projeto de sociabilidade. O entendimento de que a sociedade funciona de uma forma e a proposição de que deve funcionar de outra determinada forma a partir de mediações específicas. Essas pessoas estão diretamente envolvidas nas lutas específicas como vemos cotidianamente. Um exemplo bastante próximo de nós é a tentativa de barrar a gestão privada dos hospitais universitários, que conta com a participação – decisiva, a meu ver – de estudantes partidarizados. Este projeto societário é algo que se forma coletivamente. Creio que um desafio para o nosso tempo é o de lidar com os problemas da organização popular sem cair em segregacionismos, divisionismos. Acho que a verticalização extrema promovida por alguns setores dos movimentos sociais é um problema para a organização popular, e não vejo a saída para o extremo oposto – a completa horizontalização – como a melhor das estratégias. Acredito sinceramente que no nosso caso o novo se faz com elementos do antigo.

Infelizmente não consegui participar das exibições do Cine Comuna Amarildo. A ideia foi muito boa e a seleção dos filmes foi fantástica…

No mais, gostaria de dizer que sou bastante grato em ter participado deste processo.
Bruno Pizzi.

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