Diário de ressonâncias – Aymara

Queria fazer algo não verbal, buscando escapar às minhas limitações, mas digamos que fiquei no meio do caminho (que é também um ótimo lugar).
Sentada, nos vários momentos que devaneava sobre essa feitura, elegi não o todo, mas as partes, escolhendo 3 …… (cenas, imagens, fatos, sentimento..etc etc etc etc) que me foram mais caros.O primeiro se fez de supetão, quando buscava o material para montar as colagens. Atrás de colas me deparei com a gaveta das quinquilharias, cheia de CD’s, cassetes e disquetes. Sim, disquetes…. Tive certeza ao vê-los que isso era algo do qual eu queria falar, não de tecnologia, comunicação e “espalhação” de conhecimento, que para acontecer precisam de muito, muito barulho – por mais que isso tenha sido um problema dos mais barulhentos para nós, que com três meios super poderosos de comunicação extra-classe não conseguimos nos apropriar e fazer funcionar bem nenhum.
Não, não… sua função já não é mais difusora, passou ao “vintage”, à memória. Ele está lá para lembrar, de tudo que se passou, do que se perdeu e do que se ganhou, do que se construiu e que se modificou. Olhando para ele só me vinha a importância da memoria, do lembrar e do saber, daquilo que já ocorreu e ocorre, do fazer redes para poder construir algo novo e melhor.
Tivemos muito disso na sala, do novo que urgia por ser criado e recriado a cada momento, buscando não ser capturado, mas que ao mesmo tempo bebia o mais que podia do passado e da história.
Pensando em “memória” me veio “esquecimento”, e me lembrei do rio Lhete – na mitologia grega era um dos rios de Hades, aqueles que bebessem ou até mesmo tocassem na sua água experimentariam o completo esquecimento – me surpreendi de certa forma ao saber que seu oposto (Alethéia) significa verdade e fiquei mordida……
De provocação colei então as palavras em lados opostos do disquete (Lethe e Aletheia), mas o conceito ficou mais bonito que a realidade, então deixo a imagem para a imaginação de vocês, assim também como as razões do incômodo.
O segundo – para mim nevrálgico – são as falas, a organização destas (e por isso os dedos), seu espaço, ou falta de e a necessidade de tornar isso algo menos burocratizado mas também funcional. (colagem 1)
 colagem1
A fim, escolhi terminar com o início, lembrando de uma das últimas reuniões antes do início da matéria, que teve como maior debate a eleição da quantidade de pessoas que poderia (e iria) se inscrever e participar do projeto. Foi uma aposta que não parou de se balançar até o último dia do semestre, dos que apostaram que iriam todos aos que disseram que não iria ninguém, todos temos que lidar com esses fatídicos 90, sua falta (?) ou sua presença em multidões de outras formas. (colagem 2)

Colagem2

Ressonâncias autogestadas (Clara Camatta)

“Trabalho arduamente para fazer o que é desnecessário

O que presta não tem confirmação,

O que não presta, tem”

(Manoel de Barros, Livro sobre Nada)

 

Primeiro dia do curso, cheguei atrasada. Atravesso o corredor em direção a sala aos saltos, a excitação me consome, o olho brilha e o sorriso não se contém. “Está mesmo acontecendo? Saiu do papel!”. Entro na sala e quase os 90 inscritos estão ali. Um turbilhão de pensamentos e sentimentos se mistura: “Será que vão todos continuar? Será que vamos reformular tudo? Será que vai funcionar? Será que a gente vai se ouvir?”. Assustador e desafiante.

A turma estava dividida em grupos para discutir o programa proposto, entro em um deles, ainda muito agitada e vejo que falávamos de muitas coisas, especialmente sobre as manifestações e a EBSERH, mas discutíamos pouco o programa. Em alguns momentos, interrompia a discussão pedindo que fossemos mais objetivos, pois o tempo era curto. Me senti a chata, o reloginho que interrompe os fluxos que se inauguram e os atropela. Ao fim, conseguimos pensar o programa e toda uma folha de caderno estava abarrotada de idéias e sugestões. Lembro de na hora ter pensado sobre como o processo grupal é rico e como ficamos engessados em determinados idéia e circuitos as vezes: em tão pouco tempo surgiram inúmeras idéias que não haviam aparecido em várias reuniões anteriores de elaboração da proposta do cronograma.

Quando abrimos para a turma toda, nossa grande dificuldade logo se apresentou: como sintetizar e discutir todas as idéias em um tempo escasso? Não se tratava mais de alguém falando sobre o tempo da atividade, mas da demanda institucional de que encerrássemos a aula para que a sala fosse utilizada por outra turma. Como deliberar sem sentir que a discussão se esgotou? Como discutir sem fazer com que todas as aulas fossem para pensar o curso e pudéssemos não só pensá-lo, mas vivê-lo? (não que pensar sobre ele não fosse em alguma medida, também, vivê-lo). Pensamos em GTs que se reuniriam na hora final de cada aula para pensar os próximos encontros, uma tática que se mostrou ineficaz. A autogestão demanda maior implicação, mais energia para estar ali e, no final dos encontros estávamos todos exaustos e com uma pressa de ir embora, tornando as discussões dos GTs rápidas e esvaziadas.

Nas aulas que se seguiram, vimos o já esperado, porém não desejado, esvaziamento do curso. As aulas de discussão sobre autogestão, disparador para a disciplina, se iniciaram. Acreditei que agora teria as respostas para os conflitos que vivia em outros espaços autogestados, como o CA e, enfim, conseguiríamos estabelecer um parâmetro fixo para o que é autogestão, uma fórmula para o seu funcionamento. Doce ilusão. As discussões eram sempre muito teóricas, distantes de uma prática e sem conflitos. Todos concordavam e eu só me lembrava de Nelson Rodrigues que diz: “toda unanimidade é burra”.

Líamos que autogestão era uma forma de gestão horizontal, onde todos são protagonistas das decisões e que a defesa de ideais fascistas não cabia nesta forma de gestão que é uma escolha política e não meramente organizativa. Entretanto, as minhas dúvidas permaneciam (e acho que ainda permanecem): tudo precisa ser decidido por consenso? Por que sempre as mesmas vozes soam? Será o consenso unânime?

 Em paralelo a isso, no CA vivíamos um momento de reformulação e grandes questionamentos, com a participação de pessoas que não se viam cabendo naquele espaço e, por isso mesmo, resolveram ocupá-lo. Ocupação que, para mim, foi a maior opção autogestionada, que nos forçou, enquanto coletivo, a problematizar a nossa forma de organização, especialmente por estarmos em um espaço representativo. Ocupação que me angustiou e somou-se à mesmice que se tornaram as aulas teóricas de autogestão, me levando a uma completa falta de tesão pelas quintas-feiras a tarde. Debandei do CA e passei a freqüentar uma ou outra reunião apenas, enquanto insistia no curso de práticas autogestionárias. Insistência que me levou a conhecer outras experiências de autogestão e à constatação mais incrível: nenhuma era igual a outra. Havia versões mais autoritárias, versões seletivas dos seus participantes, versões militantes, versões cotidianas. Sinestesias (ver sons), misturas, possibilidades mil. Desconstruí nestas vivências-narrativas a idéia de uma fórmula para a autogestão. Hoje, ela me parece ser mais uma vontade política, uma escolha ética de viver os espaços coletivos, de ser eu e ser o outro.

“em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas

o outro
que há em mim
é você
você
e você

assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós” (Paulo Leminski – Contranarciso)

Nas primeiras assembléias que tivemos para repensar o percurso que estávamos trilhando o silêncio se fez presente. Minha sensação era de que havia um incômodo geral, mas que não sabíamos nomear e fomos tentando tateá-lo, sem nunca chegar ao ponto principal, até que em uma determinada assembléia, a discórdia substituiu o silêncio e os afetos se colocaram. E dos afetos pronunciados surgiu uma aula de arte imprevista. Dinâmica, toque, entrar em contato com o outro. Era o que faltava durante o curso, o espaço de ser íntimo para ser diferente. E, daí, me veio um grande aprendizado: na autogestão, é preciso se conhecer e conhecer o outro, não se sustenta ficar só no espaço da discussão.

Tudo isso me fez pensar no CA, no meu estágio – onde as reuniões supostamente horizontais são verticalizadas – e nas minhas relações pessoais, ressoa para a minha vivência cotidiana o me permitir viver o encontro. Acho que não é a toa que autogestão, especialmente sua versão autogestada, me lembra de gestação. Esse curso surge de um embrião, uma idéia sobre uma disciplina que ganha forma, cresce, se desenvolve e, após alguns meses é parida em uma quinta-feira qualquer. A gestação enfim se encerra e o encontro dos corpos se estabelece olho no olho. Encontro que é e foi a grande produção desse curso pra mim. Encontro de teorias, idéias, angústias, corpos. Encontros fáceis e encontros difíceis. Encontros que foram, são e serão trocas.

“Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.”

(Carlos Drummond de Andrade – Memória)

Carinhosamente e saudosamente,

Clara Camatta

Fechamento do curso e lançamento de notas

Carxs e queridxs companheirxs de curso,

já ensaiei o que vou escrever no diário de ressonâncias mas estou aguardando o fechamento do curso para finalizá-lo,

Neste momento escrevo para falar sobre o lançamento de notas e sobre nossa comunicação. Acreditamos que blog, facebook, mensagens etc facilitam a comunicação. Começo a discordar disso. Uma boa comunicação sobre o curso deveria ocorrer ao longo das aulas com nossas combinações e acertos.

Pois bem, combinamos em sala mas ficamos de comunicar a todos pela vias internauticas, digitais e eletromagnéticas que o diário deveria ser inserido no site até o dia 19/12 – ontem – e tivemos como resultado que muitos não postaram seu diário de ressonâncias. Muitos dos que participaram ativamente do curso. Como combinamos que a aprovação na disciplina está vinculada também ao diário, peço que quem não postou suas considerações que o faça até dia 22/12/2013 pois na manhã do dia 23/12/2013 lançarei as últimas notas e o SIGA fechará o acesso para lançamento de notas por parte dos professores.

Como não temos mais aulas e encontros presenciais da turma, peço que divulguem esta notícia pelas vias presenciais, internauticas, digitais e eletromagnéticas.

Professor Francisco Portugal

Diário de Ressonância – Bruno Pizzi

A proposta de avaliação do curso foi a de produção de uma análise de ressonância. Portanto, pretendo fazer uma breve avaliação das minhas expectativas com o curso e algumas repercussões que o processo me causou. Em uma avaliação feita em sala, uma das colegas apontou que, talvez pela pouca coesão do grupo, as discussões não foram muito duras. Sinto-me bastante contemplado por esta ponderação e acho que deve haver muito trabalho para que se conquiste um nível de discussão – e pertencimento grupal – que alie combatividade e edificação. Gostaria que as pessoas que lessem este relato considerassem o esforço de ampliar a discussão num sentido criador, mantendo sempre a cordialidade. E estarei pronto a receber interlocuções.

A avaliação que faço da iniciativa do curso é muitíssimo positiva. Muito bem vinda em função de diversos fatores. Falar de autogestão é, para mim, necessariamente falar de organização social e encaminhar uma discussão a respeito de política. Como estudante da graduação do Instituto de Psicologia entre os anos de 1998 e 2003, noto que alguns professores se dispunham a incluir questões políticas em suas aulas, mas não da forma como estava proposto de saída pelo curso. Temas como marxismo, anarquismo, história de movimentos sociais, geralmente estiveram fora de pauta, assim como uma discussão sobre os autores clássicos, sejam eles liberais, sejam eles socialistas. Nas raras disciplinas em que havia a introdução de temas políticos, esta discussão se dava a partir de autores mais recentes, privilegiadamente os da escola de Frankfurt – Adorno, Horkheimer, Benjamin – ou Foucault e os pós estruturalistas. Nada contra estes autores, acho que eles encaminham uma série de questões importantíssimas para o nosso tempo, mas fundamentalmente não partem de um zero. Partem e se embasam – concordam, contestam, criam e modificam vias de interpretação e ação – em uma discussão a respeito de história, política, economia e sociedade presente em autores que remontam o início da época moderna. Portanto, particularmente, considero que esses autores clássicos – assim como a discussão sobre o modelo de sociedade em que vivemos – devem estar presentes e logo de início achei, e continuo achando, que a iniciativa de pensar a disciplina sobre autogestão pode ser a de gerar um local privilegiado de estudo a respeito disso.
Ao chegar nos encontros preliminares – aqueles dois primeiros encontros antes da disciplina começar – confesso que esperava uma base um pouco mais sólida. Mas como estávamos no início do processo, aqueles dois encontros serviriam para pensar esta base, que seria posteriormente apresentada ao grupo ampliado. Esse grupo faria algumas alterações na base proposta pelo GT de Didática, o que deflagaria o processo pedagógico. Pessoalmente, avalio que este processo inicial não funcionou. Durante os dois encontros iniciais, nós não conseguimos pensar a estrutura das aulas – justificativas, objetivos, linhas argumentativas, bibliografias – para as aulas seguintes. Acabamos nos envolvendo com questões – sob minha ótica retrospectiva – acessórias, como principalmente avaliação. E até elucubrações sobre publicações, etc. Enfim, nosso sentimento ao final dos dois encontros era de que não havíamos produzido o suficiente, mas que a dinâmica grupal poderia desencadear o processo pedagógico.
Pessoalmente acho que isso não aconteceu. Minha avaliação retrospectiva é a de que os professores talvez pudessem ter conduzido de uma forma mais próxima a montagem do programa. Sei que estamos num processo autogestionário e que esse não acompanhamento pode ter sido intencional. A autogestão tem como princípio o apagamento das separações hierárquicas, a supressão das verticalidades. Em contrapartida penso que ao tentar tocar adiante um projeto comum, cada qual deve tentar disponibilizar o que tem de habilidade que condiz com o objetivo final. Acho que nesse sentido, caberia aos professores auxiliar com o conhecimento que tinham em determinados campos ou com sua capacidade de pesquisa em temas em que não havia integrantes do grupo que dominassem. Não digo que isso não tenha acontecido em nenhum momento, mas para as próximas oportunidades esse acompanhamento pode auxiliar na coesão pedagógica do projeto. Acho também que não devíamos excluir a possibilidade de convidar professores de outras unidades da universidade para falar de temas teóricos. Nosso campus é bastante rico professores que poderiam contribuir com os temas que estavam pautados no nosso esboço de programa de aulas. Acho que esta seria uma iniciativa muito bem vinda em termos de integração com outras unidades como Economia, Educação e Serviço Social.
A meu ver, em termos pedagógicos, o que tivemos foi isoladamente algumas iniciativas de montar aulas – que foram muito proveitosas – mas que não podem ser confundidas com um planejamento mais amplo.
Outra iniciativa que também acho que foi muito boa na proposta do curso foi a ideia de discussão sobre as práticas de gestão e autogestão em outros grupos. Mas, assim como nas aulas, acho que houve, na maioria das vezes, um certo embotamento na discussão. Acho que o que tivemos foram algumas ótimas apresentações de movimentos como os do MNLM, do MST, do projeto de habitação coletiva, cujo mérito talvez possa ser atribuído, a meu ver, muito mais à capacidade elocutória e ao nível de envolvimento orgânico dos convidados com as questões. Mas acho que não conseguimos encaminhar a discussão de forma que ela chegasse ao nível de tratar as polêmicas atuais, e fazer surgir os posicionamentos particulares. Um dos encontros em que isso ficou bastante marcado foi o que tivemos como convidados o integrante da FIP e a integrante da Assembleia do Largo. Em minha humilde avaliação, acho que o grupo não propiciou um espaço adequado para a circulação de ideias e a contraposição de propostas de forma que tivéssemos verdadeiramente um fórum de polêmicas edificantes sobre temas candentes. (Quando eu digo ‘o grupo’, claro que também me implico nisso…)
Considero também que pode ter havido uma série de fatores que confluíram objetivamente para a gestação da proposta do curso. Imagino que devem ter contribuído bastante a experiência do grupo de estudantes com a gestão do Centro Acadêmico – e os estudos que devem ter advindo daí -, assim como o momento de explicitação da turbulência social pela qual passamos desde junho. A questão “O que fazer?” parece estar à flor da pele dos que tem participado mais ativamente.
Sobre a questão da autogestão do CA, gostaria de fazer algumas considerações, sempre em tom cordial… Ao que me parece – por favor, corrijam-me se eu estiver errado! – a iniciativa de promover a autogestão é uma tentativa de ampliar a participação dos alunos nessa instância e parece vir no contexto da saturação de uma certa forma de condução do movimento estudantil – ou dos movimentos sociais se virmos de forma ampliada. Esta forma saturada é a de aparelhamento dos movimentos por instâncias – partidos políticos e sindicatos, principalmente – que agem por verticalizar e inviabilizar a participação ampliada, dando mostras de que “são sempre os mesmos” que ocupam as tribunas e transformam os locais de reivindicação social em espaços de usufruto privado de poder, desde o nível micro até o nível macro.
Não tenho qualquer pretensão de dar solução a essa questão tão premente nos dias de hoje, mas quero apontar algo. Acho que devemos pautar, em caráter de urgência, as contradições das formas “tradicionais” de participação. Acho que esse é um dos motivo que me trouxeram ao envolvimento com esta autogestão. Já participei de fóruns hegemonizados desta forma e acho extremamente danoso à mobilização popular e ao avanço da consciência de classe algumas coisas que acontecem. No entanto, muito da luta que se empreende – tanto na universidade quanto na sociedade ampliada – é feita por pessoas que participam dessas organizações ditas tradicionais. Quando estas pessoas transitam da organização partidária ou sindical aos fóruns circunscritos, elas carregam algo que, pessoalmente, considero essencial para a luta social em qualquer instância: um projeto de sociabilidade. O entendimento de que a sociedade funciona de uma forma e a proposição de que deve funcionar de outra determinada forma a partir de mediações específicas. Essas pessoas estão diretamente envolvidas nas lutas específicas como vemos cotidianamente. Um exemplo bastante próximo de nós é a tentativa de barrar a gestão privada dos hospitais universitários, que conta com a participação – decisiva, a meu ver – de estudantes partidarizados. Este projeto societário é algo que se forma coletivamente. Creio que um desafio para o nosso tempo é o de lidar com os problemas da organização popular sem cair em segregacionismos, divisionismos. Acho que a verticalização extrema promovida por alguns setores dos movimentos sociais é um problema para a organização popular, e não vejo a saída para o extremo oposto – a completa horizontalização – como a melhor das estratégias. Acredito sinceramente que no nosso caso o novo se faz com elementos do antigo.

Infelizmente não consegui participar das exibições do Cine Comuna Amarildo. A ideia foi muito boa e a seleção dos filmes foi fantástica…

No mais, gostaria de dizer que sou bastante grato em ter participado deste processo.
Bruno Pizzi.

Diário de ressonâncias – Ruan Rocha

Eis sua família, sua mãe, seus pais, seus avós.
Bem-vindo a esse sangue, esses ossos.
Por que você perdeu a voz?

Eis sua comida, eis sua bebida, eis o jantar.
E uns pensamentos, se quiser pensar.
Bem-vindo ao lar.

Eis sua estrada da vida quase virgem
Bem-vindo a ela, a essa miragem.
Mesmo assim, boa viagem.

Eis seu aluguel, eis seu pagamento.
O dinheiro é o quinto elemento.
Bem-vindo ao investimento.

Eis sua colmeia, o enxame, multidões.
Bem-vindo a tantas populações:
Você é um em cinco bilhões.

Bem-vindo à lista telefônica onde reluz seu nome.
Numa democracia, um dígito é um homem.
Bem-vindo à busca de renome.

Eis seu casamento, e eis um divórcio todo seu.
E agora os erros irreversíveis que cometeu.
Bem-vindo, você se fodeu.

Eis você com a lâmina junto à jugular.
Bem-vindo, autoterrorista singular,
Ao seu Oriente Médio particular.

Eis seu espelho, eis sua pasta de dentes.
Eis o polvo no seu sonho recorrente.
É seu esse grito de demente?

Eis o sofá, a TV, o debate sobre a crise.
Eis seu candidato falando cretinice.
Bem-vindo ao que ele disse.

Eis sua varanda, o carro que passa apressado.
Eis seu cachorro cagando na sala, folgado.
Bem-vindo ao seu olhar culpado.

Eis as cigarras e eis um pássaro piando à tarde.
A lágrima que pinga no seu chá pela metade.
Bem-vindo à eternidade.

Eis sua radiografia com uma mancha no pulmão.
Bem-vindos os comprimidos para o coração.
Bem-vindo seja você à oração.

Eis sua tumba, o cemitério que se estende além.
Bem-vindas as vozes que dizem “Amém”.
É o fim para você também.

Eis seu testamento, mas ninguém o lê.
Eis sua missa, mas rezar quem há de?
Eis a vida sem você.

E eis as estrelas que não estão nem aí
Para você ter ou não estado aqui.
Meu velho, é isso aí.

Eis que não sobrou nada do seu passo.
Da sua face não ficou traço.
Bem-vindo ao espaço.

Bem-vindo, aqui não se respira.
No espaço aberto tudo expira.
Só Saturno segura a pira.

DIARIORESOO

Diario de Ressonancias coletivo

 

                          UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ

                  Geórgia Lau; João Pedro Simões; Rafael Ostrovski; Victor Cumplido
                     Praticas Auto Gestionárias – Diário de Ressonâncias coletivo

 

chatíssimas

são as pessoas

que falam sobre Anarquismo

sem um pingo de emoção

        Para a elaboração do diário de ressonâncias, pensamos em um diário coletivo pois acreditamos que assim tomamos com mais atenção os vetores relevantes, bem como imaginamos que a elaboração em conjunto pode ser importante para que sejam lembrados também, vetores menos óbvios. Acreditamos que uma prática coletiva deste tipo de exercício pode também ser importante para lembrarmos mais uma vez da autogestão e deste modelo de organização entre um determinado grupo. Não queremos que transpareça uma leviandade de cada um ou algo do genêro, mas todos viemos experimentando ações coletivas nos últimos tempos, e a força de se estar em grupo é algo que ultrapassa as qualidades e possibilidades de um indivíduo apenas. Além disso, podemos perceber que este exercício coletivo foi importante uma vez que passamos a trocar algumas impressões sobre as aulas e discutimos pontos em dissonância, acreditando que a soma de todas as partes é prerrogativa para um todo. Quanto mais se soma, mais se tem a ganhar. Mesmo que sejam apenas possibilidades a serem discutidas. A ideia de se fechar um todo – completá-lo ou tomá-lo como algo dado – é oposta ao múltiplo embate de ideias. Esse último é o que permite a criação de algo novo, o contato com o inesperado.

O curso começa com uma ideia diferente daquela mais convencional nos meios acadêmicos. Teoricamente, o curso deveria ser gerido e ministrado em conjunto, sem hierarquização de poderes, horizontal, autogerido pelos que estavam interessados no programa, sem distinção entre as funções instituidas pela universidade. Ou seja, na turma havia um grupo misturado de alunos da graduação, professores, alunos de extensão, interessados, estudiosos e pesquisadores do tema, de diversas áreas do conhecimento. Sendo assim, não deveria haver alguém que respondesse por todos, que representativamente escolhesse a direção a seguir, mas todos os passos deveriam ser tomados em uníssono e coletivamente, da maneira mais apropriada que pudéssemos elaborar. Há de se reconhecer o esforço de se levar a cabo tal ideia, e a validade que a aplicação prática desta tem para os alunos, professores e para a instituição.

 

“(…) Não se pode negar que se trata de uma fascinante ciência. Farto estou de haver visto homens  cultos, literatos, poetas, políticos que procuraram e acharam nessa ciência o seu mais elevado conforto e a sua última finalidade, apenas tendo conseguido fazer carreira mediante emprego de tais dons.” O Idiota, Dostoiévski.

As primeiras aulas foram basicamente alguns acordos que precisávamos fazer, como por exemplo se iríamos sentar em roda na sala e como funcionaria a comunicação entre os participantes, e se esta seria celular ou não. Infelizmente houve uma precipitação por parte de algumas pessoas mais inflamadas em tentar formular um método adequado para o encaminhamento das aulas, o que, apesar da boa vontade, acabou por sair como um tiro no pé. Isso foi um resultado de certa forma esperado para um experimento deste tipo numa instituição como a nossa, uma vez que ela nos impõe prazos, metas, pressupostos, razões e outras questões burocráticas que fazem com que discussões sobre a metafísica da nossa prática e os conceitos que poderiam ser criados coletivamente neste espaço/tempo, acabassem sendo deixados como secundários ou menos importantes.

EEEPPAA.. e faltou também além da metafísica algo que nos tirasse constantemente do lugar comum, algo que não trouxesse conforto, mas desconforto!

Embora saibamos os limites que nosso corpo habita neste tipo de cenário institucional, acreditamos ter havido uma despreocupação filosófica geral no que tange a elaboração do próprio conceito de autogestão e do conceito de curso acadêmico, uma vez que, tomados como pressupostos menos importantes, ao invés de serem repensados e resignificados coletivamente, acabaram servindo apenas como um desestimulante geral para os inscritos na disciplina, uma vez que muitos dos que estavam ali não sabiam o quê estavam fazendo no curso, para quê estavam fazendo, ou simplesmente não quiseram saber como iriam fazer qualquer coisa ali dentro. Ou seja, a ideia era fazer um curso autogerido sobre autogestão, mas o que aconteceu é que não foi discutido – ou foi muito pouco – o que significava para nós o conceito autogestão, muito menos como autogerir um curso acadêmico. Algumas soluções que pareciam brilhantes na hora foram capturadas quase que automaticamente, apenas por não haver sugestão melhor naquele momento. Isso gerou um efeito bola de neve, mas ali não teríamos como saber onde ia dar, muito menos teríamos a presunção de afirmar que as coisas, do jeito que caminhavam, não iriam terminar tão bem.

Ok, não vamos dizer que não deu certo. Mas também não vamos fingir que funcionou da melhor maneira. Não acreditamos também que o processo se daria sem tropeços naturais, ainda mais conhecendo os trâmites institucionais que pairam suspensos no ar universitário. Porém, julgamos que deveria ter havido uma maior preocupação com a essência das questões mais triviais, como criação de conceitos, calendário, práticas ou simplesmente a criação de métodos de estímulo a participação de todos. Podemos até mesmo afirmar que houve ingenuidade quando não foram pensadas estratégias para a promoção da participação e integração entre os membros do grupo, ou seja, por determinar que as pessoas, apenas por estarem presentes naquele espaço, estariam em um estado de coletividade e que isso possibilitaria ao grupo autogerir-se.

 

“Monotonal.

Sua fala é como um zumbido

o cérebro recebe ondas-alfa

eu quase durmo”

 

Alguns de nós, em certos momentos, sentiram-se como que imersos em angústia semelhante à d’O Processo de Kafka: havia uma tentativa de elaborar a situação, compreendê-la em seus descaminhos, mas ao buscar soluções, se viam perdidos a um meio que funcionava de modo maquínico, impessoal, e portanto sem ter a quem recorrer de forma comunicativa. Ainda que o espaço da fala estivesse aberto nas aulas, a sensação é de que todas eram de alguma forma capturadas, perdendo-se a ideia original do postulante, tornando-se algo coletivo, porém não necessariamente bom por isso. Essa sensação foi compartilhada não apenas por nós, mas por outras pessoas do curso com quem trocamos idéias sobre a aula durante o semestre,  havia o sentimento de falta de espaço de expressão, além de uma crítica constante à forma como as discussões eram conduzidas; observava-se literalmente mais uma vontade de cada um em expor uma fala do que ouvir a posição do outro e propor algo a partir desta. Não eram feitas perguntas, a impressão passada foi a de vários monólogos sucessivos disconexos, na maioria das vezes (isto no contexto das aulas expositivas).

—- E tiveram os bons momentos também. Ouvir experiências práticas de pessoas que vivem algo do tipo foi enriquecedor, poder partilhar de alguma forma dessas histórias e lutas. Havia ali a necessidade explícita estampada, precisamos da autogestão pra funcionar, pra que as pessoas neste contexto vivam, não escolheram isto, o aspecto foi tomando contorno, se desenhando.

Quando nós pensamos no significado de grupo, gostaríamos que fosse apenas definido como mais de uma pessoa em conjunto. Porém, consultando rapidamente qualquer dicionário de bolso (PRIBERAM), podemos agregar novos horizontes de significação. Embora o primeiro e mais obvio significado seja o de ‘um número de pessoas ou de coisas que formam um todo’, ou de ‘associação’, preferimos pensar no significado de grupo como corpo o que, curiosamente, é apenas o quinto significado conotativo mais utilizado para ‘grupo’. Uma inesperada surpresa foi encontrar o sexto significado do termo sendo utilizado para designar ‘mentira’. Porém, ao nosso ver, a questão principal é que não houve em momento algum uma discussão como por exemplo ‘o que é um grupo pra você?’ ou ‘o que você espera desse grupo’, porque praticamente sempre habitamos espaço carregado de atravessamentos institucionais dentro da UFRJ, o que significa dizer que algo como um grupo, que sempre teve o significado institucional pressuposto neste ambiente, deveria necessariamente ser também resignificado, uma vez que se propunha algo nunca visto antes no Instituto de Psicologia, e que este trabalho deveria ser assumido por um grupo/corpo.

PEDRO, NÃO SEJA UMA PEDRA DE TIMIDEZ

 

           Pedro pintou a cara de pedra                                                                          

musgo e parasita

passando a ter dificuldade em

sustentar o próprio crânio                                                                       

com o pescoço

uma cabeça de 90kg

 

a cabeça pesada o trazia pra frente

então suas costas começaram a doer

– putaqueopariu, pensou Pedro,

estou com dor nas costas

 

titubeou para frente

cambaleou para trás

e visto a impossibilidade de manter-se

de pé

permitiu-se,

culminando em uma cambalhota ridícula.

assim, Pedro pedra ridículo I passou a lo-

comover-se.

 

o sindicato, então, interviu.

– Pedro pedra, isso não é jeito de andar,

isso daí é ciganagem.

as crianças não podem te ver,

e os velhos não vão te suportar.

 

Pedro padrão, subitamente desperto para

a sua posição de elemento constituinte no todo maior sindical,

tentou acender a fogueira empapada à querosene

com a ponta de seu cigarro de palha,

inutilmente porém.

Inclinado ao desespero pelas circunstâncias adversas, lágrimas brotaram-lhe nos

olhos, escorrendo até a boca e depois a barba. O medo possuiu-lhe e então lembrou-se de sua avó querida.

Uma chance em sessenta e três bilhões, lembrou-se do documentário que passou

na tv. Uma centelha surgia, e a fogueira incandesceu subitamente.

               Combustão  espontânea significa milhares de insetos desfalecidos.

Acreditamos que a ideia de corpo é essencial para pensarmos em células micropolíticas e na integração sistêmica dos corpos que constituem este corpo/grupo, pensando em consequências naturais de relacionamento organoléptico real, esta entendida como propriedade dos corpos aptos a causar uma impressão nos sentidos. Acreditamos que pensar em um corpo possibilita existir uma relação que extrapola as lógicas mecânicas das ações instituidas, possibilitando toda uma abertura ao devir e à interação interpessoal. Além disso, nos possibilita uma reapropriação do tempo/espaço em que a pessoa está inserida, necessariamente pela integração dos sentidos que atravessam como forte vetor e que nos remetem a um funcionamento orgânico, o que usualmente é mal considerado nos meios verborrágico-descritivos que a academia vitupera.

A noção de corpo quando relacionada à de órgãos, leva à prefiguração de um Organismo, o qual pressupõe Organização, no sentido de uma Unidade funcional. Enquanto conceito remonta ao Organon aristotélico. Sem dúvida um dos conceitos mais enraizados em nossas mentes e coexiste com um conjunto de outros conceitos também cristalizados e que permeiam e orientam nossas falas: Unidade, Identidade, Totalidade, Ordem, Hierarquia, entre outros, e isso, sob a égide da lógica binária e do modelo arborescente de pensar, de relação causa/efeito, evolução linear.  Este texto procurará sair da conceituação pertinente ao “mundo da representação” enquanto percepção macro (molar) e enveredar por outro caminho, ou seja, um entendimento micro, molecular, das práticas urbanas, pretendendo esboçar, na limitação do espaço disponível, que a cidade, enquanto processo de um conjunto de experiências, constrói seu “Corpo sem órgãos”.

DUREZA

 

Você até tem boa dicção, mas daí a dizer que é atriz… acho um pouco demais. E ainda mais humor, Cremilda… Fazer humor? Você facilmente poderia estar trabalhando em um banco!  

Você , Cremilda, é daquelas que poderiam ser, que poderiam ter feito alguma coisa. Mas não foi, e não será, simplesmente porquê não aconteceu. Não existe razão,lógica ou explicação. Cremilda, essa é a vida.

Se f: [a,b] -> R contínua, e mE[f(a), f(b)], existe um c e [a,b], tal que f(a) = m.

Cremilda, aprenda a matemática a vera, pois o banco lhe espera. Logo, se f: [a,b] – > R Cremilda tem razão a e lógica b, e em E[f (a), f (b)] persiste um cú de atriz… Tal que f(cc) = Martha.

Martha é a sua gerente Cremilda, e seu lugar agora é no caixa 4, onde você passará as próximas 40 horas das suas 52 semanas de seus próximos 40 anos de vida profissional. Sentada.

Cremilda deu um pinote pra trás, como se tivesse lembrado de um momento humilhante semelhante, apesar de jamais , nesta vida, ter passado por algo parecido.

 

Disse:

– Não!

 

A calcinha na cabeça. A chuva lá fora em nada inibiu sua corridinha.

 

Conclusão: IPUB!

 

Foi ser feliz no IPUB.

 

Lou(cura).

que porra de final é esse?

 

é duro fio, é duro..

 

e aonde vai parar?

 

pra onde vai a partir disso?

 

vamos terminar na lou(cura)?

 

estamos condenados a isso?

 

só espero que nao tenha parênteses..

 

Diários de Ressonância Por Thiago Colmenero

Rio de Janeiro, 19 de dezembro de 2013

Gestão de que? Da cidade, de direitos, de deveres, de espaços, de vidas. De vidas. Falar em autogestão é trazer para si a responsabilidade, ao mesmo tempo que se compartilha funções e atividades para assim construir caminhares. Plurais. Sempre plurais, nunca à direita, passando por anarquias, esquizoanálises, análises institucionais, socialismos, marxismos. Trazer perspectivas criticas para falar da historia, da cultura, da cidade, da economia, de um regime de fazer viver onde caibam mais pessoas e vozes.

Per-correr exige dois modos de presença: de um lado, uma atenção ao aqui e agora a cada detalhe exposto ao seu redor. Processos esmiuçados, muitas vezes intermináveis: GT comunicação, GT divulgação, GT didática, GT bar! Atenção dedicada a cada movimento, ação, cheiro, olhar, cor, sensação, vozes, falas. De outro lado, um desassossego provocado por aquilo que lhe é estranho – “que merda de aula é essa?” Diriam alguns. Dois modos de presença intensas e paradoxais. Como correr em um lugar que não se conhece? Como estar confortável em um lugar nunca visto antes? O que se faz presente é a ineficiência de qualquer tentativa de explicar, entender ou interpretar o que acontece. São pessoas. Não são objetos. São e não são pessoas e objetos. Processos.

Posso dizer que de largo, o mais interessante em fazer parte desse processo foi escutar, sentir e entrar nas histórias, relatos e ressonâncias dos “convidados” que quase toda semana vinham na disciplina, falando mais da segunda parte do curso. Ter dimensão do macro e da micropolítica inscrita em práticas autogestionárias cidade a fora (sejam relativas às manifestações, às moradias, ao trabalho) comunica muito bem o viés politico de se debater gestão.

Na experiência de caminhar, proposta nesse curso como método, há um processo contínuo de colheita, a partir do qual cada aula vai sendo tecida, os argumentos construídos, as ideias expostas. Fazer do caminhar um método não é coisa trivial. A escolha é proposital, por vir de trilhos da psicologia e da educação, o fio que articula as reflexões é precisamente um dos modos de como é praticada a autogestão, insto é, como é conjugado o verbo conhecer no campo da psicologia e da educação quando se encontra com o que vivemos.

Por Thiago Colmenero

Experiência de tempo para autonomia.

Muitas coisas ressoam no curso de autogestão. Me parece que outras reflexões virão. Mas a primeira delas é sobre o tempo, inclusive por ser o prazo, até hoje. Quinta feira, 19-12-2013 o dia final do nosso acordo junto com entraves institucionais da universidade.

Ainda em uma reflexão ingênua que vai nortear estudos futuros duas questões me parecem centrais. Uma boa definição pra autonomia e para a autogestão. Antes de fazer vários autores conversar esse texto vai ser feito sem uma pesquisa apurada.

A experiência de autogestão é uma busca pela organização coletiva da vida, pela criação de normas próprias de regulamentação da sua própria vida, incluindo aí o trabalho, a alimentação, o lazer, a circulação pela cidade e tudo mais que está presente no cotidiano e às vezes nem mesmo pode ser nomeado. É importante pensar que ao usar o pronome SUA, quero dizer nossa. Ou seja, se tratando de algo que diz respeito a uma esfera que inclua o coletivo e o individual. Neste sentido eu a princípio entendo a autogestão como um exercício em busca da experiência de autonomia. Claro, entendendo que a autonomia como algo que nunca vai ser pleno.

Hoje existe uma palavra que está sendo dita, repetida e reutilizada. Essa palavra é o comum. Palavra que procura uma nova síntese de valores que a afastem de muito que foi dito sobre o marxsismo e/ou o socialismo real. A experiência de autogestão envolve muitas dificuldades da construção do comum. De algo que é gerido por muito, organizado à várias mãos.

Acho que o tempo é central nessas reflexões sobre tentativas de iniciativas autogestionadas. Seja no Centro Acadêmico ou nos relatos sobre o Ocupa Rio, na construção de um curso autogestionado sobre autogestão ou na assembleia do Largo que hoje toma muitas das minhas reflexões me parece que algumas particularidades se sustentam e se cruzam.

O Negri em SP falou sobre uma temporalidade autônoma. Pra relatar esta diferença da experiência de tempo nesses espaços que buscam sua própria organização. Esta experiência temporal é uma experiência outra, de resistência que nos escancara o modo como em geral vivemos. Experiênciamos o tempo pautado por outras instituições. “Externas e internas” que nos compõem, nos atravessam, ora nos guiam, ora nos confortam.

O experiência de autogestão nunca é eficiente, quando transpomos aquilo que vivemos em um cotidiano apressado, onde o tempo é esquadrinhando e pensado em relação a sua produtividade. Esse olhar não é possível quando tentamos construir algo comum. O comum leva outro tempo, o tempo de decisão é lento, é outro. No curso acho que temos bons exemplos disso, sobre o cronograma e sobre as tomadas de decisões.

A experiência de criação do curso ocorreu de maneira corrida, pois havia as exigências da instituição. Éramos poucos, e muito empolgados. Tínhamos um prazo curto, fomos muito eficientes.

Agora toda vez que decidíamos algo no grupo maior, éramos mais lentos. Por vários motivos, e alguns deles vou me ater em textos futuros. (Talvez).

No filme sobre Oaxaca, vimos que alguns povos indígenas tinham assembleias que poderiam durar até 3 dias. Esta é uma experiência de construção de consenso que parece surreal. Ter muita gente debatendo, e pensando em ações conjuntas durante dias. A Lurdinha nos colocou quanto tempo foi preciso até que uma ação de ocupação fosse tomada, o Carlos e o Felipe, nos apontam para o tempo que demora até a construção de alternativas comuns. Entre eles há de comum o fato desse também ser o tempo da própria vida, da luta pela habitação, pelo trabalho e moradia, pela construção do seu espaço, no mato, no campo, ou na cidade. Para nós, nos restava algumas horas em um dia na semana.

Não é preciso mais de uma hora de assembleia pra se sentir cansado, às vezes tive a sensação de que o curso produzia pouco. Mas me parece que esta é uma sensação que está ligada a produto, ou fim. E acho que é importante para os processos autogestionários entenderem que o foco é no processo, não no produto. Por vezes a experiência breve de relativa autonomia já se torna um acontecimento. Quando começamos a questionar certezas antes verdadeiras como rochas, a fazermos pequenas mudanças no cotidiano, a criar ações que tornam uma instituição mais porosa, começamos a desatar fios que se entrelaçam e criam muitos nós. Que amarram nossa vida, nossos movimentos, nossas ações. Este curso certamente foi um pouco disso. Estar ali de 13:30 às 16:30, para construir um caminho comum deixa claro que a construção do comum não tem tempo. Ela dura quanto tem de durar e por isso não seja fácil.

Como diz o Negri, é uma temporalidade que envolve inclusive o gerenciamento da própria temporalidade. Por isso é tão difícil e talvez tão surreal, um curso autogestionado, uma assembleia na rua, um acampamento de fim de semana, talvez sejam alguns dos espaços que às vezes nos permitimos gerir-mos coletivamente nós mesmos. E aí temos outra experiência de tempo, que não é eficiente, que demora o tempo da criação de vínculos, de expressão de potencialidades, de organização, reflexão e planejamento das ações, de investimento cognitvo e afetivo. Essa experiência pode nos fazer pensar em todo o resto do tempo que vivemos pautados por instituições, compromissos, afetos, sentimentos, medos que nos alienam da construção do nosso próprio modo de viver. O tempo para a construção da autonomia, em meios autogestionados leva tempo, muito tempo, e quem sabe até o tempo todo da vida : )

Toni

Diário – Isabella

Diário de Ressonâncias

 

Na tentativa de criar sentidos para as experiências que vivi no curso e compartilhá-las com vocês, me pego seguindo uma direção um pouco cronológica – volto a um momento inicial de discussões, quando nos colocamos em conflito uns com os outros e com nós mesmos, em nossos hábitos institucionais. Lembro da sensação que tive, do interesse em estar discutindo os moldes da universidade com os meus colegas, muitos bem mais novos que eu, e do medo tremendo do desgaste futuro. Tivemos reuniões que duraram muitas horas e percebo que foi aí que comecei a conhecer as pessoas que habitavam aquele espaço comigo há algum tempo – só quando começamos a discordar, a concordar, a deixar o afeto aparecer. E que dificuldades surgiram daí! Quantas perguntas… Esse momento não foi compartilhado por todos que terminam o curso, mas acho que foi essencial, levantou muitas boas questões, que duram até hoje… Será que tem um limite quantitativo que permita a gestão ser realmente compartilhada¿ Como dialogar com as instituições que atravessam¿ Quais são as instituições¿ Como gerenciar o coletivo¿ Qualquer um pode entrar e sair¿ Como olhar e organizar o referencial teórico¿

Essas são questões que acompanham o curso para mim, suscitando tanto a reflexão no que diz respeito à própria construção do curso quanto no que surgiu nas práticas narrativas. Carlos trouxe a experiência do MST, uma estrutura mais organizada, que funciona por delegação e consegue dar conta da gestão de muitas familias. O Pedro, por outro lado, trouxe uma prática da Assembleia do Largo de dividir em grupos de pessoas menores, com umas 50 pessoas, para que os assuntos possam circular e todos possam participar. Nós mesmos nos deparamos com uma procura grande de pessoas pelo curso e nos deparamos com um movimento de esvaziamento…

Mais do que encerrar a questão em um motivo ou não-motivo, acho que as perguntas tem que continuar a nos fazer perguntar, nos fazer querer saber – de preferência juntos. Na sala, na chuva, no GT Bar (e na fazenda, se alguém tiver alguma…). No acampamento, no sítio, na UFF. Minha vontade é continuar juntando. Já deixo registrado, ressoando durante as férias.

Pensando sobre o curso, sobre as pessoas que chamamos para estar conosco, sinto que ficou uma falta, uma lacuna em muitos desses dias. Gostaria que tivéssemos compartilhado mais do nosso curso, das nossas impressões, do nosso estudo juntos com quem chegava. Quanto a esse espaço para convidados, acho que foi um ponto alto do curso. Sinto que tomamos um susto com a Lurdinha, que nos arrebatou com sua fala. Não conseguimos falar nada, não deu tempo… Eu fiquei encantada, hipnotizada por ela. O que ela trouxe de experiência na manuel congo me tomou. Senti a urgência da luta por reconhecimento institucional, a instabilidade de uma luta diária contra uma lógica, que se infiltra muitas vezes… Percebi na fala dela anos de trato com essas instituições que atravessam a luta pela moradia. Me chamou a atenção a complexidade da situação: como ter um posicionamento ético e ao mesmo tempo estratégico- institucional (muitas vezes essencial para a sobrevivência)¿ Penso que “é preciso estar atento e forte”. Que as reuniões são essenciais, por mais chatas que sejam. Que é necessário ter um conhecimento “técnico” para se conseguir atingir e sensibilizar as pessoas, no caso da Lurdinha, a fala precisa e coerente.

Outra questão que penso é sobre o processo de decisão coletiva. Nós acabamos seguindo a maioria, quem sabe o consenso, nas decisões do curso. Lembro que a Terra Una trouxe a necessidade que eles têm de se ter o consenso, ainda que esse seja um processo demorado. A Lurdinha também falou de consenso na ocupação, e também de algumas regras estruturais, ‘mandamentos’ seguidos por eles, que demoraram muito tempo para serem tirados. Fico pensando que a autogestão é uma construção em movimento – muito dificil de lidar.

Enfim, o que fica ainda é muito. Estou pensando bastante sobre como a gente se afeta, para saber como afetar também. Como chegar no outro? Como construir junto? Como criar um espaço em que não faça sentido ‘fazer por crédito’, um espaço apropriado por todos…

[informe GT COM] Publicação dos diários e fim do curso

– Por causa dos prazos de entrega de nomes, presenças e notas no fim do período, foi decidido em sala (12/12) que a entrega dos diários será até o dia 19, de modo a compartilhar com os demais presentes ao longo do curso essa produção. Até agora ninguém preferiu não publicar no blog, ou apresentou-o presencialmente no dia 12. Se alguém não quiser publicar, teremos de pensar em como fazer.

Foi decidido também que a nota coletiva será 10, apresentado o diário de ressonância até tal data – a presença será dada por ele também. Para a galera da extensão, é preciso informar o nome completo para ganhar o certificado.

– Quem está com conta no wordpress e virou colaborador do blog pode publicar seu diário de ressonância como um post normal. Quem não tem pode publicar – e qualquer um pode fazê-lo (a menos que tenha imagens e arquivos, se não me engano) – como comentário na aba “Diários”, que alguém do GT COM vai subir pro post fixo nessa aba, bem como publicar como post “normal”

Abraços a tod@s,
Pedro

Diários de ressonância – Júlia Robaina

Diário de ressonâncias – Júlia Robaina

Por conhecer algumas pessoas que participaram do processo de construção da disciplina, eu soube desse projeto e pude entrar como inscrição direta. Interessei-me pela disciplina por ela ser sobre autogestão e pretender funcionar de forma autogestionada, e também pelos temas que seriam abordados ao longo do curso.

Não considero que me dediquei como poderia e gostaria a essa disciplina. Acabei colocando compromissos pessoais como prioridade. Isso aconteceu não só com a matéria de Autogestão.

Considero a ideia desse curso como uma iniciativa única no Instituto de Psicologia, visto que as outras disciplinas funcionam de acordo com um modelo habitual e vertical, em que o aluno não participa do processo, do caminho. Para mim, houve falhas, o que está longe de dizer que foi um fracasso. Ao contrário, as falhas apontaram para novos caminhos e reflexões.

Em algumas aulas que estive presente presenciei discussões que me faziam sentir desmotivada e fatigada, pois as falas me pareciam repetidas, pronunciadas sem reflexão. Aí entra uma falha minha, porque eu não estava implicada o suficiente para expressar o que sentia e pensava, o que talvez pudesse colaborar para o surgimento de outras formas de discussão ou qualquer outra alternativa que surgisse em conjunto com os demais alunos.

Acho que muitas pessoas pretenderam fazer um curso que criasse uma forma outra de existir, de funcionar. Mas penso que algumas não conseguiram, talvez quando se prenderam a um formato pensado antes do primeiro dia de aula.

Apesar de ter causado um desconforto em alguns no momento de sua fala provocadora, notei que o curso ficou mais leve quando um aluno levantou a questão da importância da arte, além de ter feito outras críticas. Talvez isso tenha causado alguma tensão, mas uma tensão que permitiu uma reflexão mais honesta sobre o curso que se queria construir.

Gostei muito de algumas aulas práticas que tivemos, como a visita da Lurdinha, da Ocupação Manoel Congo. Nessa aula ela contou como a ocupação funcionava, suas lutas, algumas situações por quais passaram. E ela repetiu uma frase que ficou em minha cabeça: “eu quero botar fogo no Estado”. Não preciso dizer que achei a Lurdinha uma pessoa muito sábia, ainda mais em tempos de manifestação e repressão policial. Também gostei da visita do Pedro, da Universidade Nômade. Interessei-me pelas lutas desse coletivo, mas também da forma como ele abordou outros assuntos, como o marxismo. Os filmes escolhidos também foram ótimos.

Portanto, considero que ter passado por essa experiência foi proveitosa.

Diários de ressonância – Ian H.

Fui a poucas aulas pois achei as primeiras bem chatas. Apenas uma questão em particular: neste período eu simplesmente não suportei mais o modelo aula. Todo meu afeto estava voltado para os dois estágios. Assim, buscava – quando em textos – os assuntos que diziam respeito a eles. De certa forma, meu motivo para não estar gostando, funcionava como desculpa para não incomodar. Era um motivo, de fato, específico. Mesmo assim, imaginava quão constrangedor seria denunciar o desconforto frente aos que pareciam aproveitar. Experiência entre o desconforto de falar ou a culpa de guardar. Todavia, como disse acima, a particularidade do meu motivo funcionava como desculpa para não denunciar meu des-afeto.

Ao me imaginar nos afetos que convergiam perante a proposta da disciplina eu achava perigoso vivenciar a experiência me sentindo inteiramente responsável por ela. Sou parte do grupo mas não sou o grupo. Quando presente vi um movimento de unificação muito forte. As atividades eram acordadas e feitas pelo grupo inteiro. Evidentemente o desconforto apareceu, mesmo tendo demorado. Como permitir que a disciplina não se tornasse um único caminho percorrido por todos, mas diferentes caminhos se encontrando e desencontrando ao longo do percurso?

Das ressonâncias por aqui, ecoam alguns impulsos. De uns tempos pra cá me sinto acorrentado pelo modo de movimento industrial. Isto é, ao iniciarmos alguma atividade fica pré-estabelecido um compromisso financeiro, um compromisso com o mestre, com os horários. Três vetores que, aliados, se fortalecem e acabam por oprimir a vontade que foge aos dogmas da razão. Essa vontade espontânea de aprender, apenas por se encantar com algo. A autogestão ressoa para mim dessa forma: detesto fazer trilha com guia. Eu quero é descobrir junto, esquivar dos caminhos preparados. Quero me agenciar com pessoas queridas, abrir a mata, descobrir lugares inusitados. Dispenso o mestre, dispenso o investimento financeiro-institucional (ou seja, pagar mensalmente por uma atividade), dispenso os horários enrigecidos. Estes últimos chego a considerar, apenas, quando em grupo.
Não posso deixar de ressaltar o pioneirismo da experiência. Penso que devemos ficar atentos aos níveis de exigência. Relaxemos um pouco e analisemos o que a vivência representa. Suas ressonâncias são territorializantes. Uma disciplina engendrada por alunos. Pensada por alunos e feita por eles. Essa parte me deixa muito contente. Abraços e boas férias a todos.

Por Ian H.

Diários de ressonância – Letícia Belmiro

Diários de ressonância – Letícia Belmiro

Confesso que estou há bastante tempo pensando o que vou escrever aqui -e ainda não tenho muita certeza… Fui me distanciando da disciplina conforme o período foi passando, fato que eu não relaciono com nenhuma questão específica que tive com a própria disciplina, mas sim com os meus próprios interesses e investimentos pessoais nesse período.

Vale questionar o quanto que essa experiência de afastamento e esvaziamento permeia as práticas autogestionárias e se constitui talvez como o maior desafio destas. Sejam por quaisquer motivos individuais que cada um tenha, no final das contas, em um espaço autogestionado, quem leva realmente os projetos até o fim e fazem as coisas acontecerem são aqueles que mais estão engajados e investidos nesses projetos. Minha experiência no CAFS me diz isso e durante a disciplina creio que esse aspecto ficou bem claro também.

Seria leviano tomar o que acabei de dizer como uma crítica por si só a mim e a todos que esvaziam e já esvaziaram outros espaços também. Antes de mais nada, creio que esse maior desafio também se mostra como uma das belezas da autogestão: a liberdade de cada um de se envolver o quanto pode, o quanto quer e o quanto quer. Para cada um de acordo com suas necessidades e de cada um de acordo com suas possibilidades.

No final das contas, mesmo que ausente por mim, acredito que a disciplina atingiu seu objetivo e que foi uma grande conquista! Boas férias para nós!

Diários de ressonância – Fabille Leão

Fabille leão – Diário de ressonância.

Buscando um elemento forte ou palavra que pudesse definir autogestão.
Fato é que num dado momento, ao olhar as ruas via algo similar. Talvez! Porém a prática é o que melhor poderia definir essa composição. Também ao me inserir nesta Comuna; digo: que política não define este movimento, nosso movimento quero dizer. Que fique claro politizar e não se implicar. É não carregar algo comum. Definir-me como homem. Busca o semelhante. Seja pela “tarifa zero”, seja pelo “fome zero” ou outros movimentos. Assim a semelhança dos objetivos, a necessidade comum traz um produto prático. Necessário ao conceito de autogestionária. Capaz de unir um coletivo social.

No que define a “As práticas autogestionárias” pude elucidar muito bem a sua robustez no conceito. Suas ramificações seus engajamentos, bem como, modos naturais de definições. Definições estas que buscam suprir o básico dos mais básicos elementos que sustentam um processo de autogestão. Que é sua atitude coletiva, sua colocação em todo lugar. Trabalha dimensões excludentes, aproximando vértices distantes.

A saber, que práticas de autogestão uma vez ministrada, com públicos distintos. Quebra barreiras, definindo muito bem que polos distintos hoje são o maior conceito de autogestão. Assim, todo incomodo convoca para uma reflexão, sadia. Trazendo momentos de permeabilidade da pessoa e absorção de matéria. Vida! Movimento produzido pela ação de fora. Como a todo o momento, no curso houve uma forte reflexão quanto à diversidade social. E suas nuâncias produzidas por vozes dissonantes. Tentando marcar um lugar ou definir sua identidade. Através do pronunciamento colocando sua escrita neste local.

Vejo que um processo, autogerido pode ser feito através de elementos sociais fortes. Com elementos produzidos pela coletividade. Sendo totalmente oposicionista ao acumulo exagerado de capital. Algo que se aproxima da cooperação das partes e ou reconhecimento da igualdade humana. Não quero aqui cria um conceito, mas identificar o que não é uma práticasautogestionária.

Agradeço a todos. Admiro o entusiasmo dos docentes e dedicação.
Fabille leão C.

Diários de ressonância – Jessica Prado

Diário de Ressonância:Práticas Autogestionárias na Prática

Em primeiro lugar gostaria de colocar a minha satisfação em fazer parte desse grupo que não só me propiciou ótimos momentos de discussão e reflexão, mas também me permitiu fazer parte do processo, me deslocando de um lugar já tão dado. Nesse quase cinco anos no Instituto de Psicologia muitas vezes me vi enquanto aluna, na posição de receber o conhecimento vindo das figuras detentoras desse saber já pronto, já instituído e em um sistema já formatado. Como uma expectadora na janela de um trem, observadora das paisagens que vão passando e vez ou outra parando em alguma estação que chamava minha atenção.

Bom, nessa nova experiência vi um grupo de alunos que saíram desse lugar de expectadores e resolveram construir um novo caminho, imagino que tratando se de autogestão não poderia ser diferente. Quero elogiar não só os que idealizaram essa iniciativa, os que deram força pra a realização e também àqueles que aderiram ao curso trazendo ideias, pensamentos e ajudando nesse processo de construção/reconstrução, que a meu ver ainda continua (e que bom que continua).

Um dos motivos pelos quais me inscrevi nessa matéria foi o interesse por esse tema que anda tão falado, que surgiu a partir de uma definição de Autogestão e os meus questionamentos.
“Entendemos por autogestión el movimiento social, econômico y político que tiene como método y objetivo que la empresa, la economia y la sociedad em general estan dirigidas por quienes producen y distribuien los bienes y servicios generados socialmente. La autogestion propugna la gestión directa y democrática de los trabajadores, en las funciones de planificacion, direccion y ejecución” (Iturruspe, 1988).

Como funcionaria esse processo, não só dos trabalhadores, mas de um grupo de pessoas no planejamento, direção e execução da gestão? Hoje vivemos em uma democracia representativa, através de uma votação elegemos representantes que tomam decisões em nome daqueles que os elegeram. Esse processo é tido com o incontestavelmente a melhor forma de governo porque provê a população uma forma justa e livre de escolha. O quão livre é essa escolha, uma vez que todas outras formas de governo são tidas como injustas, tirânicas e até ditatoriais. Não seria mais uma ditadura da maioria, aonde as minorias, quando conseguem se fazer visíveis, não tem espaço para expressar sua opiniões divergentes?

Algumas dúvidas que ficam foram exatamente sobre esse processo decisório, existem outras formas de participação que não são a submissão total a uma autoridade dominadora ou um processo democratizado? E como podemos fazer uma gestão participativa? Nesse ponto a participação dos convidados externos foi fundamental, entre outras coisas, para ter acesso de como os grupos estão fazendo a sua gestão. É um processo que dá trabalho, demanda um investimento, vontade de participar e um saber ouvir do grupo, afinal não é possível se chegar a um consenso sobre tudo, mas as decisões precisam ser tomadas e as ações executadas. Podemos ver que esse processo é algo que sempre se reinventa, não é dado, é preciso construir a melhor forma de coletivizar as decisões de uma forma eficiente.

Em relação a estrutura, ausência ou presença de uma hierarquia, segundo o conceito anarquista de autogestão, “se caracteriza por eliminar a hierarquia e os mecanismos capitalistas de organização envolvidos”, mas isso não significa necessariamente uma total horizontalidade nas relações ou seja a partilha de informação e a tomada de decisão ao alcance de todos os membros. Para pensar nessa questão acho importante lembrar o conceito de transversalidade de Guattari, quando existe comunicação entre diferentes níveis e diferentes sentidos, entre vertical e horizontal, muitas vezes esse as relações transversais são inconscientes.

Outro fator que ficou muito claro a partir do depoimento dos convidados, foi o da autoanálise do processo de autogestão, algo que pareceu ser natural e fundamental para os coletivos, uma inciativa que parte de dentro e propicia um entendimento e organização (possivelmente uma reorganização).

Como foi dito nas ultimas aulas, nas quais fizemos (e ainda estamos fazendo) o nosso processo de autoanálise, esse processo é sem fim uma vez que o fim é próprio caminho. Gostaria de destacar uma frase de Vieira (2007) que é fundamental e poderia até ser um lema, “Ninguém acorda ou acordará de um dia para o outro “autogestionário””. Bem como foi visto na teoria e na nossa própria prática, é um processo de reflexão, que deve ocorre em paralelo com a prática do desenvolvimento de uma gestão que seja ideal e singular para o nosso grupo. Deve ser visto como um processo futuro, uma utopia sim, mas uma utopia concreta se valendo dos processos já passados para a visualização do futuro.

Para finalizar esse relato gostaria de salientar algo que para mim é o que há de mais fundamental na autogestão (e na vida!), o desejo. O desejo que impulsiona e que faz com que esse movimento aconteça, desejo que impede a paralisação, desejo que constrói, destrói e reconstrói, o desejo que faz o real. Graças ao desejo esse curso foi iniciado e eu desejo que continue.

Jessica Prado de Almeida Martins

Diários de ressonância – Luisa Sader

Diário de ressonância: Práticas autogestionárias
Luisa Sader Guimarães Dias 10/12/2013

“Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.”
Antonio Machado

A ideia de uma disciplina autogestionada sobre autogestão me caiu quase como uma salvação. Já há dois anos participando e vivendo todas as contradições e complicações de um espaço autogestionado, pensei ter achado a solução para os problemas e as angústias que me afligiam. Eu finalmente iria aprender o que é autogestão, finalmente ia deter o conhecimento sobre essa forma de organização tão presente e ao mesmo tempo tão estranha a minha vida. A partir disso, todas as questões se diluíriam quase que de imediato. O C.A funcionaria perfeitamente e eu aplicaria a autogestão em outros espaços da minha vida. A revolução estava iminente.

Então, vieram as primeiras reuniões e as dificuldades de se montar uma disciplina, uma ementa, uma bibliografia. Neste momento, os problemas de praticar a autogestão imersa em uma lógica hierárquica, burocratizada, cristalizada da universidade começaram a aparecer, e uma estranha sensação de intimidade me foi surgindo. Dificuldades em marcar as reuniões, em tomar decisões, em se comunicar; discussões muitas vezes prolixas; a urgência na realização de certas tarefas que estrangulavam os encontros; o desespero em relação ao número de pessoas. No meio de tantas incertezas de um curso que se formaria em seu curso e o pragmatismo galopante da vida contemporânea, finalmente, começamos a disciplina.

Mais uma vez fomos massacrados pelo tempo. A proposta da disciplina foi apresentada, os grupos tiveram um momento para pensar em mudanças e outras propostas, mas não conseguimos compilá-las e dar um direcionamento. Ficou decidido que os grupos mandariam suas propostas pro blog e na semana que vem decidiríamos. No curto (ou longo?) espaço de uma semana, muitas propostas se perderam e poucas mudanças foram efetuadas.

Uma grande aposta da disciplina foram os textos. Embebidos também pelo espírito acadêmico –sem diminuir sua importância-, as aulas eram centradas nos textos e as possíveis discussões que emergeriam destes. Acreditei na possível tentativa de captura de um conceito definido de autogestão, o que me trouxe logo frustração. Os textos não davam conta do que eu vivia e pareciam muito distantes de uma prática concreta. É claro que conseguimos traçar alguns nortes desse modo de organização. Há uma impossibilidade inerente de uma prática autogestionária que esteja a serviço de ideiais fascistas e capitalistas; autogestão pressupõe autonomia, diluição das relações de poder, autodeterminação por parte do coletivo. Mas, e aí? Há um hiato abissal entre esses conceitos e o delineamento de uma vivência autogestionada. Minha frustração e consequente falta de interesse no espaço da aula partiu de uma expectativa quase irreal que nutria dentro de mim, como se certas conceituações fossem, de fato, me trazer respostas e, além, fossem me trazer formas e modelos de exercer a autogestão.

Se os textos não atenderam às expectativas o oposto se deu com as narrativas e as assembléias. Foram muitas histórias narradas, vidas e afetos sendo expostos naquele espaço, e todos muito distintos e singulares. As formas de organização, de metodologia, de objetivo eram variadas e surpreendentes. Algumas até suscitavam a dúvida: isso é autogestão?

Por que não?

As assembléias foram também espaços muito potentes. As insatisfações colocadas -seja da metodologia do dedinhos, seja do curso, dos textos- transformavam aquele aula em um eterno devir. Quantos deslocamentos não promovemos naquele espaço? A própria aula de expressão artística, que fugia totalmente ao roteiro da disciplina e da maioria dos participantes, emergiu da assembléia.

Sem dúvida, as práticas autogestionárias promoveram rupturas com formas tão antigas e engessadas do que entendemos enquanto aula e conhecimento. Polos binários professor/aluno, teoria/prática se diluíram e se misturaram naquela dança junto com as minhas frustrações.
Ao meu ver, não é possível promover um corte e designá-lo como sucedido ou fracassado. Não passa por aí. A disciplina foi em si e para além de si autogestionada com todas as intermitências e paradoxos que essa noção me remete. De fato, não sei dizer se sairei conhecendo o que é a autogestão, mas, definitivamente, a terei vivido neste (per)curso.

Diários de ressonância – Paula Tumolo

                                                                                  Rio, 06 de dezembro de 2013

Queridxs,

            Chegamos ao fim do semestre, e é hora de olhar para o caminho percorrido e para as possibilidades futuras. É difícil traçar o trajeto percorrido pelos envolvidos nessa jornada, em parte porque, como a maioria do grupo, me inseri nesta aventura muito após a concepção do curso, e em parte também porque este caminho não foi linear, e sim um emaranhado de idas e vindas (e não haveria de ser de outra forma, já que desde o início estabelecemos que o importante fosse o caminho em si, e não a meta).

            Gostaria, em primeiro lugar, de expressar minha admiração e gratidão pelo grupo de alunos e professores que, não só deram o ponta pé inicial para a concepção deste curso, mas também trabalharam arduamente, contra todos os contratempos, para que esta ideia se tornasse realidade.

            Como já disse em sala, gostaria de refletir também sobre o quão importante foi o que fizemos ao longo do semestre, legitimando a importância e necessidade do uso do espaço universitário para falar sobre a autogestão e para quebrar certos moldes didáticos. Trazer a discussão política para dentro das salas do Instituto de Psicologia, quebrar a divisão entre os departamentos, implodir a hierarquia professor/estudante, e instigar a troca entre a prática e vivência e a teoria foram todas conquistas que devem ser reconhecidas pelos que fizeram parte dessa jornada.

            Quanto ao nosso tema, como foi já foi colocado em nossa última reunião, parece que estamos cada vez mais longe de uma resposta. No entanto, a razão disso pode ser exatamente o que vimos ao longo do semestre: Não existe uma concepção única de autogestão. Até porque, a concepção de autogestão não pode ser desvinculada da sua prática (ambas se co-constituem), e a teoria-prática é diversa porque os contextos e objetivos são diversos. Ao longo do semestre, diversas vezes nos perguntamos se isso ou aquilo era uma autogestão. Agora, parece mais claro que essa linha divisória é muito mais difusa do que eu imaginava, e que a autogestão não é um modelo político em si, mas sim um método utilizado de diversas formas, por diversos grupos, e que constitui a ideologia política daquele grupo.

            É claro que nem tudo é autogestão somente porque é horizontal, e nem toda autogestão é estritamente horizontal o tempo todo. Mas como pudemos ver, a autogestão é geralmente utilizada por um grupo social com o propósito de empoderamento coletivo, através da implicação e participação de todos sobre as decisões que afetam o grupo. Ela demanda trabalho e impõe contratempos (como pudemos experimentar), mas também cria um laço maior entre as partes do grupo e faz com que todos se sintam parte efetiva o que se constrói.

            A ideia de cursar uma disciplina sobre autogestão que fosse autogestionada nos permitiu vivenciar com maior intensidade o objeto sobre o qual nos debruçamos, olhando-o de fora e ao mesmo tempo de dentro.

            A oportunidade de ouvir os diferentes relatos e experiências, tanto dos convidados das aulas de prática e vivências quanto dos próprios membros do grupo foi inestimável. Pude refletir, ao longo do semestre, sobre ideias que tinha como certas, e que foram desconstruídas por conversas em sala e experiências fora de sala. Também pude re-afirmar concepções políticas que já trazia (tanto para mim como diante do grupo). Entendi que este é um assunto complexo, porque suscita concepções e vivências diversas, onde nem sempre há um meio-termo. Aprendi a valorizar essa diferença, entendendo que nem sempre essas opiniões irão encontrar um consenso, mas que essa diversidade é produtora. E que é de urgente importância que algumas opiniões políticas aprendam a respeitar suas diferenças, para que possam visar um projeto que é comum a elas, como é o caso dos movimentos sociais.

            Talvez o que mais tenha me impactado ao longo destes seis meses tenha sido a visita de Lurdinha. Essa conversa nos impôs a questão da diferença entre chegar a ideias políticas pela observação e reflexão da realidade social, e chegar a estas ideias porque a realidade social se impõe de forma brutal em sua vida e, sendo você o elo mais frágil dessa realidade, a luta contra uma ideologia política dominante e injusta se torna a única saída possível. A visita de Lurdinha também propôs questões sobre a diferença em acreditar em algo, e vivê-lo 24 horas por dia.

            Bom, após toda essa livre associação de ideias sobre o que foi compartilhar essa experiência com vocês ao longo dos últimos seis meses, é hora de olhar para frente, e as possibilidades são infinitas. Por isso, nosso próximo e último encontro será um espaço propício para destrinchar e planejar essas possibilidades.

Com carinho,

Paula Pimentel Tumolo